sábado, 16 de outubro de 2010

"Quando a religião interfere na política o resultadó é fanatismo"

A autoria da frase que dá nome a esse ensaio é de uma pessoa a qual não cabe comentários. Todos nós sabemos quem é José Sarney. Contudo, como diria Aldous Huxley, os homens tolos as vezes dizem coisas muito sábias. Realmente é lamentável que o debate político do segundo turno da campanha presidencial brasileira tenha recaído em questões religiosas. Todavia, já que aconteceu não custa nada tentar tirar algum proveito desse acidente de percurso, que aliás não é acidente algum. O Brasil é um pais cuja cultura é indigesta e inadequada para o estabelecimento das instituições que viabilizam o sucesso do projeto iniciado no Século XVII na Europa. Quanto mais religião, principalmente de matriz católica-fatalista, menos respeito pela individualidade e pelo interesse das minorias. Quando em um pais uma cultura religiosa é alimentada pelo analfabetismo e pela desigualdade social no decorrer dos séculos a probabilidade desse pais se tornar liberal e politizado é muito pequena. É nesse espaço mínimo que nós, os intelectuais liberais de esquerda, nos movimentamos. Na maior parte das vezes é preciso aceitar o debate nos termos mais rasteiros que ele nos é colocado, pois do contrário já entraríamos nele vestindo o capuz dos condenados a forca; se isso acontece existe uma grande probalidade de que apenas os beneficiários do atual sistema de coisas sucederiam-se no poder.
Veja a candidatura de Marina. Que equívoco! Nossos bem intencionados colegas da esquerda mais radical empenharam-se na tentativa de eleger uma candidata que se eleita não governaria, por completa falta estrutura política para isso, e se governasse, teria que fazer concessões que o PT nem sonharia em fazer. Por outro lado o que se conseguiu com tal candidatura? O fortalecimento da candidatura de Serra!!! Seria cômico de não fosse trágico. Agora, depois de conquistar os votos daqueles que com Marina acreditaram que Dilma não é tão de esquerda assim, Serra voa como um vampiro sobre os votos daqueles, que a figura dos devotos de Antonio Conselheiro, vêem no debate político a chance de fazer a sua parte no plano de DEUS.
Marina, a santa prometida que nos fez esquecer qual era mesmo o problema aqui na terra. ABORTO, MENTIROSA...palavras invocadas como estigmas para identificar quem está do lado do Diabo e quem está do lado de Deus. Quando vamos compreender que política, moral e religião são questões que se tocam mais que não podem ser assimiladas umas as outras? Talvez apenas quando nos tornarmos todos ateus.

Notas sobre a crênça no progresso

Cientificidade é um dos nomes da virtude procurada por aqueles que consideram-se membros do movimento de transformação cultural que começou na Europa do século XVII. Excetuando alguns poucos insurgentes, tão insubmissos a essa deusa chamada ciência quanto sedentos da mesma legitimidade que ela reclamava, todos os nomes relevantes de nossa historia recente são filhos desse movimento. As mudanças de direção para o desenvolvimento das civilizações tiveram a partir desse movimento um ganho de natureza quantitativa em termos de variedade; no entanto, quanto a natureza qualitativa desse movimento é difícil chegar com a mesma facilidade a tal conclusão. Poderíamos, para fins de articulação discursiva, separar os intelectuais entre aqueles que não piscam ao afirmar que existe alguma coisa chamada "evolução", e que essa coisa aconteceu de forma inequívoca do iluminismo para cá, e aqueles que não acreditam em semelhante coisa chamada evolução ou acreditam mas acham que a sociedade não realizou nada de significativo nesse campo. No segundo time teríamos pessoas como Tomás de Aquino, Lutero, o grande exército dos céticos metafisicamente motivados e dos místicos. Vemos que não há muitas diferenças de inclinação entre os descrentes do progresso. No outro time, entretanto, teríamos uma variedade muito maior, pois o que está em jogo nele são diversas concepções do que é evolução e do que devemos entender quando dizemos que "sabemos disso". Só a colocação desse embate serve para nos favorecer mais um elemento para a compreensão de nosso tempo: a alegria em ser o que é. Enquanto aqueles que aferram-se a modos de pensar anti-históricos e pouco dialógicos são unânimes em questionar a ideia de progresso, nós outros, marcados pelo signo da necessidade de furtar-se a tais modos de falar somos unânimes quando se trata de crênça progresso. Já se propôs a divisão dos que apostam no progresso entre aqueles que olham para o futuro a para a invenção e aqueles que pensam no passado e se questionam se não deixamos algo perder-se no meio do caminho. Não considero tal divisão justa. Muitos dentre os mais originais de nossos pensadores oscilaram entre os dois pólos. Talvez essa oscilação seja tão maior quanto mais honesto e íntegro for o pensador. Se em nossa vida nunca temos a certeza definitiva sobre o carácter das nossas escolhas, como fazer tal coisa quando o que está em jogo é a avaliação do passado da humanidade e a prospecção do seu futuro?