quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Observações sobre orealismo pragmático de Habermas

O presente artigo pretende acompanhar o argumento exposto por Jürgen Habermas em seu texto “Comentários sobre verdade e justificação” com o propósito de confrontar a sua defesa do que ele denomina de um “realismo pragmático” com algumas objeções elencadas por autores como Richard Rorty, por exemplo. Como meta complementar também tentarei verificar o alcance de algumas asserções utilizadas por Habermas na defesa de sua pragmática Kantiana no sentido de sondar os limites de suas pretensões formalistas no interior de um quadro referencial “pragmatista”.
O texto de Jürgen Habermas “Comentários sobre verdade e justificação” apresenta-se como uma brilhante peça da produção filosófica contemporânea. Breve em sua extensão, esclarecedor e conciso no seu estilo, e, no entanto, denso no seu conteúdo. O desenvolvimento de seu discurso é norteado pela procura por uma instancia formal de verificação da verdade dos argumentos de participantes de um diálogo. Pretenderia ele assim estabelecer as bases de uma política democrática livre dos riscos de discursos distorcidos e “fascistas”. O núcleo do referido texto compõe-se de uma defesa do que seria um realismo sem representação(que lhe permitira esquivar-se de objeções feitas ao kantismo) e da possibilidade de conciliação dessa posição epistêmica com o construtivismo moral. Começando peça apresentação da tradição hermenêutica, cujo propósito central para Habermas seria a analise da função por meio da qual a linguagem revela o mundo, o filosofo alemão lateraliza a esta corrente a filosofia analítica. Nesta ultima Habermas identifica como principal preocupação a função representativa da linguagem, ou a relação entre sentença e fato. Segundo o ponto de vista desenvolvido no texto, ambas as correntes cometeriam “falácias abstrativas”[1] ao desconsiderar os aspectos pragmáticos do dialógo, ou seja, as características do ato comunicativo cuja semântica está vinculada a necessidade de resolver problemas de ordem pratica.
Dirigindo a Hermenêutica e a filosofia analítica a acusação de serem demasiado abstratas, me parece que Habermas opta por uma linha critica que de certa maneira antecipa suas pretensões de mostrar-se comprometido com o espírito anti-metafisico da pós-modernidade, o que, no caso de Habermas, não implica o abandono das pretensões de universalidade dessa mesma metafísica. A narrativa Habermasiana, todavia, ao contrario de outros sistemas críticos não se estabelecerá a partir da desqualificação dos sistemas aqui denunciados como muito “abstratos”. A categorização por ele utilizada cumpre, no meu entender, um papel acessório cujo propósito é inserir ambas as correntes filosóficas em uma descrição em camadas do ato comunicativo, ou, como ele mesmo fala referindo-se a Humboldt em “três níveis analiticos diferentes” . Esses níveis seriam ocupados pelas duas tradições supra citadas e pelo terceiro nível mediano no qual ele mesmo situa-se e que denomina de “pragmática formal” ou de “Pragmatismo kantiano”. Desse ponto intermediário Habermas irá posicionar-se no sentido de fornecer a sua versão do que seria uma epistemologia isenta dos vícios da Hermenêutica e da filosofia analítica.
No entender Habermasiano o contextualismo hermenêutico e a analise demasiado técnica da filosofia analítica se manteriam desvinculados da práxis, sendo essa a sua principal limitação. Ambas as tradições deixariam de dar conta da experiência de senso comum de supor a existência de um mundo real como fundamento necessário para nossas ações , embora tenham, a seu favor o fato de que são conseqüentes em relação a observação de que não temos acesso a realidade em si mesma. Segue-se dessa constatação que para Habermas a filosofia contemporânea deveria buscar a conciliação do realismo inserido no senso comum com uma atitude “Darwinista” sem adotar uma postura representacionista diante desse mundo supostamente o mesmo para todos nós. A tal posição filosófica Habermas denomina de “realismo Kantiano”. Para o filosofo a regularidade com a qual nos desincumbimos de nossas tarefas no dia-a-dia, bem como a necessidade de ter que lidar com problemas dos quais não podemos escapar seriam atestados da crença inescapável em um mundo que é o mesmo para todos nós. “O mundo como a totalidade dos constrangimentos que se impõem implicitamente sobre as diversas maneiras pelas quais podemos vir a saber o que está acontecendo no mundo”[2]. Devo confessar que me parece pouco claro como Habermas deriva do fato de que todos somos convocados a ação através de situações que fogem a nosso controle, e de que supomos em nossa relação com o mundo algum tipo de regularidade, a afirmação de uma totalidade supostamente a mesma para todos nós. “Linguagens diferentes, pontos de vista diferentes, capazes, entretanto, de se referir as mesmas coisas”.[3] Os objetos aos quais estariam vinculadas as diversas praticas comunicativas seriam, portanto, os mesmos para todas as pessoas, embora elas utilizem palavras e valorações distintas. Esses objetos, entretanto, me parece que possuiriam um caráter meramente formal ou pré-reflexivo ou não poderiam ser dissociados dos pontos de vista das pessoas que com tais objetos se relacionam. Penso que uma das questões a serem colocadas a partir dessas afirmações seria a seguinte: É realmente possível separar os constrangimentos impostos pelo mundo, o problemático, do ambiente cultural e do quadro de referências valorativas no qual esses mesmos constrangimentos ocorrem? Ou colocando a questão em outros termos, o que é considerado relevantemente problemático a ponto de possibilitar uma inclinação ao consenso, não dependeria muito mais dos interesses determinados de antemão por pontos de vista diferentes do que por qualquer mundo não refletido e a priori?
Para Habermas, todavia, essas questões são resolvidas através da necessidade de convergência buscada pelos indivíduos ao enfrentarem problemas práticos. O mundo não refletido das nossas ações seria não só a condição de possibilidade para a ação como também para o entendimento representando um ultrapasssamento de uma concepção falibilista de verdade como justificação. “Para dirigir um carro ou atravessar uma ponte, não partimos de uma atitude hipotética refletindo a cada passo sobre o know-how tecnológico ou estatístico dos projetistas”.[4] A confiança que cristaliza nossos hábitos e certezas possibilitando uma ação não refletida seria o modelo Habermasiano de uma verdade sem representação. Mas é mesmo possível atribuir ao senso comum e a confiança na estabilidade de nossas relações com o mundo o estatuto de algo “incondicionalmente verdadeiro”[5] Creio que dificilmente alguém que todos os dias atravessa a mesma ponte afirmaria ter certeza incondicional acerca da segurança da mesma se interrogado sobre a possibilidade de uma acidente. Provavelmente a resposta sobre essa questão seria “Não tenho motivos até aqui para duvidar de que seja segura”. O que reconduziria ao falibilismo e ao falsificacionismo a aparente certeza inserida no senso comum.
Todavia, é inegável que a hipótese Habermasiana possui um forte apelo a intuição cotidiana que nos leva a equiparar os termos “confiança” a “verdade”. Em ultima instância é de fato a segurança “incondicional” que os homens aspiram quando buscam a verdade. Mas essa intuição não me parece sólida o bastante para afirmar a correspondência entre os dois termos. Verdade seria de qualquer maneira uma expectativa ideal de segurança. Ademais, mesmo que de fato o senso comum suponha qualquer estabilidade em relação a nossas idéias que dizem respeito ao mundo e(pelo fato de se terem tornado confiáveis) pretendamos universalizá-las, essa suposição não é garantia de consenso. Também é um fato facilmente observável que qualquer conjuntos de idéias e praticas religiosas ou culturais que ofereça para seus usuários os resultados por eles desejados poderiam ser universalizáveis seguindo o mesmo critério sem, todavia, levar ao consenso na maioria das vezes. A opção Rortyana me parece mais eficaz, pois segundo o filosofo americano deveríamos recorrer diretamente aos interesses e sentimentos das pessoas, a imaginação como recurso para a construção do consenso ao invés da demanda por uma instância a priori de fundamentação dos discursos (ainda que naturalizada e “pós-moderna”).
A argumentação Habermasiana gira em torno da busca por condições universais que tornariam possíveis as práticas comunicativas. Essa demanda deriva de seu desejo de estabelecer as bases da cooperação e da justiça em uma sociedade democrática. Caberia para o filosofo e para a filosofia um lugar privilegiado enquanto interprete da “verdadeira” natureza dos discursos, pois somente recorrendo aos fundamentos de nossas praticas comunicativas poderíamos refutar discursos totalitários e unilaterais. Refutar “teoricamente” o relativismo constitui-se, portanto, em um projeto político, cuja principal aspiração é colocar a segurança e a verdade no lugar da experimentação e da arte. Em Richard Rorty, Habermas encontrou um dos mais recentes defensores do Relativismo e do consensualismo como fundamentais para a política democrática. Para Rorty as refutações teóricas elencadas por Habermas ao relativismo, bem como a sua defesa de um realismo sem representação não são tão importantes quanto a verificação da possível relevância e da funcionalidade de uma teoria da verdade para o propósito de realizar o ideal de uma sociedade includente. Todavia, a rejeição por ambos os autores de formas de discurso que possam ocasionar o fracasso dos ideais cosmopolitas e democratas, tornam tais diferenças muito pequenas no campo da ação. A opção Habermasiana serviria, sobretudo, como opção retórica para aqueles que ainda estão inclinados a buscar em “fundamentos” ,no sentido forte da palavra, a sanção para suas esperanças.

Bibliografia

-A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen. Trad. Marcello Brandão Cipolla.Ed. Martins Fontes SP 2007
-Filosofia Racionalidade e Democracia (a inserir demais Dados)
[1] A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen pág 52.
[2] A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen pág 58.
[3] A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen pág 58.
[4] A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen pág 62.
[5] A ética da discussão e a questão da verdade, Habermas, Jürgen pág. 61

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