terça-feira, 25 de agosto de 2009

Considerações sobre a Filosofia oriental

O mundo ocidental, em sua grande maioria, desconhece ou dá pouca importância a produção intelectual do extremo oriente. Esse desconhecimento deve-se a questões histórico culturais que impediram o estabelecimento de uma mesma pauta de objetivos para ambas as tradições. A filosofia oriental geralmente é interpretada pelos pesquisadores de nossas academias no interior do quadro referencial do ocidente. Dessa forma costumamos colocar pensadores como Chuang-Tsé ao lado de filósofos como Tomaz de Aquino ou Platão ao passo que lateralizamos autores como Sun-Tsé a Machiavel, por exemplo. Um equívoco, penso, irreparável e inultrapassável. Não temos outro instrumentos para pensar outra cultura senão aqueles fornecidos por nossa própria cultura. Vários autores, como D.T Suzuki, por exemplo, esforçaram-se para levantar as diferenças entre nossa filosofia acadêmica e a filosofia oriental. Todavia, o próprio Suzuki tentou levantar também as semelhanças entre a filosofia oriental e o misticismo alemão, por exemplo. Não que essas semelhanças não existam, porém para indivíduos como nós que participaram de todo processo de condicionamento e escolarização essas comparações são todas malsãs e não prestam-se senão a um eruditismo vão. Como venho defendendo em outro tópicos, a experimentação e a experiência possuem um valor intrínseco e nem sempre partilhável. Uma filosofia nada é senão a sugestão de um modo especifico de vida, a sugestão a lidar com as coisas de certo modo. A filosofia oriental, sob esse viés poderia sugerir uma maneira nova De lidar com as coisas. Qual seria essa maneira? Não possuo essa resposta. Creio que ela deverá variar de pessoa para pessoa. É preciso ler, e sondar as possibilidades dessa leitura para a vida de cada um .

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Violência passional: Fidelidade ou fragilidade?

A sociedade, ou pelo menos alguns setores desta, tem procurado há algum tempo organizar-se no sentido de erradicar da nossa cultura a violência contra a mulher, que sabemos ter raízes profundas em nossa história. Vivemos em um tempo em que se generaliza cada vez mais a consciência da inaceitabilidade do uso de coerção física ou moral em outros indivíduos por motivos passionais ou mesquinhos, principalmente quando esses indivíduos estão em desvantagem física. No entanto esta consciência ainda frágil e difusa bem como a militância de grupos engajados na defesa dos direitos da mulher, ainda não conseguem coibir o impulso para a perpetração de crimes hediondos como o que deixou toda a sociedade estarrecida essa semana. Ao nos depararmos com situações absurdas e revoltantes como essa em que um homem, aparentemente equilibrado e produtivo, tortura de forma hedionda sua companheira por horas, uma das perguntas que nos ocorrem é a seguinte: Será que esse comportamento surgiu de forma inesperada? Será que não houveram sinais de que o agressor seria capaz perpetrar tal ato? É difícil, muito difícil acreditar que não, ainda que isso não seja impossível. Todavia, se houveram sinais dessa possibilidade, porque a vitima manteve os vínculos afetivos e sociais, ou pelo menos não denunciou ao primeiro sinal de agressividade? Não é nosso propósito remeter esses questionamentos para a esfera privada, nem tampouco situar no âmbito da subjetividade as respostas aos mesmos. Pretendo, todavia, sondar a possível relação entre nossa demanda pelo fim da violência dentro de nossos lares e nossa forma de conceber os vínculos de afeto que estabelecemos com nossos parceiros e parceiras. Nossa tese é a de que um dos principais entraves para a erradicação da violência contra a mulher é, além do machismo entranhado em nossos modos e costumes, a permanência de um modo atávico de conceber o vínculo afetivo. Esse modo, herdado de nossos antepassados cristãos e medievais, nos colocaria na peculiar posição de exigir de nossos parceiros e parceiras determinados comportamentos incongruentes com nossa concepção de que ninguém pode ter sua liberdade tolhida pelo uso da força, seja ela qual for.
Creio que é um fato relativamente reconhecido que as relações afetivas, bem como toda valoração que tem raízes culturais, possui um vínculo estreito com a dinâmica econômica da sociedade. Não sustento que se pode reduzir toda escolha individual a relações econômicas, mas tampouco creio que se pode conceber que nossos sentimentos não tem relação alguma com a essas relações. Nesse sentido podemos pontuar que nos últimos 50 ou 60 anos têm-se visto, por diversos motivos, a progressiva assimilação da mulher ao mercado de trabalho. A possibilidade de ter sua própria renda, de planejar sua carreira, de estabelecer seu próprio circulo de relações sem a necessidade da intermediação do parceiro levou conseqüentemente a revisão de papeis dentro dos relacionamentos afetivos. Todavia, teriam apenas os papeis mudado, ficando preservada dessa mudança nossos afetos e expectativas em relação aos nossos parceiros e parceiras? Antes das mudanças que citamos a mulher era considerada, dizem alguns estudiosos, uma extensão da propriedade masculina, sendo tanto seu corpo, como seus sentimentos, algo vinculado de maneira definitiva ao seu marido e proprietário. Dessa forma não se esperava da mulher mais que abnegada dedicação, eterna fidelidade mesmo ao preço da negação de si. Na esteira da inclusão econômica veio, entretanto, o direito ao divorcio, e com este o fim dos direitos de propriedade de um indivíduo sobre o outro, pelo menos do ponto de vista político. No que tange as nossas expectativas em relação aos nossos parceiros e parceiras, entretanto, houveram mudanças? Esperamos mais que dedicação eterna? Esperamos que os sentimentos dos mesmos permaneçam vinculados a nossas pessoas de maneira definitiva? A infidelidade apresenta-se em nossa retina como um gesto afetivo advindo do uso legitimo da liberdade, ou antes, como um comportamento criminoso, que mereceria punição? É claro que esse gesto afetivo pode ser inaceitável para um parceiro ou parceira, mas isso é diferente de considerá-lo criminoso ou imoral. A imoralidade que atribuímos a esse gesto advêm de nossas expectativas em relação ao amor. Amar, segundo a nossa herança católico cristã, é identificar em alguém uma “essência”, algo de totalmente particular e pessoal e afeiçoar-se a tal essência. Logo, se aquele que disse ter descoberto em nós essa essência que conduziu ao florescimento do afeto, se envolve com alguém que não tem tal essência –Uma vez que somente nós a possuímos- então existe aí uma traição, uma perfídia... Uma infidelidade a nossa essência.
Mas o vocabulário que vincula o amor a existência de uma essência- Uma alma, para ser mais especifico- É totalmente antiliberal e moralista, pois quando exigimos que a liberdade, a subjetividade de um outro indivíduo submeta-se a concepções morais que não são advindas de nossa legislação abrimos as portas para a tortura e para a violência. A dependência econômica, o excesso de expectativa em relação ao parceiro ou parceira, a atribuição desmedida de valor ao outro em detrimento de seu próprio, somados a esse vínculo sagrado entre dois corpos desaguaria em situações como a que tivemos conhecimento recentemente. O ultimo fator, objeto deste ensaio, é, no meu entender, o que permite que o agressor sinta-se legitimado em seus anseios homicidas enquanto a vitima não o denunciaria porque também acreditaria na legitimidade da fúria, caso tivesse havido realmente a infidelidade. Como tal não ocorreu, a pessoa injuriada e agredida permanece dentro do relacionamento, sem denunciar, esperando conseguir provar a sua inocência a posteriori. Infelizmente, raramente esses anseios por redenção diante do olhar de um verdugo terminam bem. A necessidade de retirar do outro sua liberdade reduzindo-o a mera coisa, mera propriedade sobre a qual se tem total conhecimento e da qual todos os atos são conhecidos e previsíveis caracterizam-se pela crueldade progressiva ou pela constante relação de suspeita e conflito. Infelizmente esses valores não são reforçados exclusivamente pelos homens, embora eu reconheça que as mulheres são suas maiores vitimas. Todos reforçamos esses hábitos, em nossas piadas sobre traição, em nosso vocabulário que dá uma expressão significativa a palavras “corno”, “traída”, “trocado” etc, a importância que damos a sexualidade alheia, em nossa inclinação a compararmo-nos com outros indivíduos e medir a qualidade de nosso relacionamento através dessas comparações. Não quero reduzir a violência contra a mulher aos motivos aqui listados. Não sou estudioso do assunto e posso estar equivocado em muitas das observações aqui desenvolvidas. Pretendia antes com esse breve ensaio propor uma reflexão acerca do tipo de vida que desejamos viver e dos valores que pretenderiam consumar esses desejos. As mudanças valorativas geralmente são mais lentas que as mudanças políticas e por isso, é bem mais prático que milite-se por objetivos como a aplicação efetiva de leis como a Maria da Penha, que pune a violência contra mulher, do que pela mudança de nossa maneira de conceber o vínculo afetivo. Essa luta, entretanto, não nos isenta no nível pessoal do compromisso com a gestão de nossas relações, nem com os resultados produzidos pelo tipo de relações que estabelecemos com o risco de alimentarmos valores que são contradi´torios com nosso ideal de erradicar o crime passional.