terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Solidariedade e Verdade na Filosofia de Richard Rorty

O Presente texto pretende acompanhar parte da argumentação desenvolvida pelo filosofo norte Americano Richard Rorty no livro Philosophy And Social Hope. Através de tal acompanhamento pretendo apontar para a especificidade do seu filosofar e a impossibilidade de enquadra-lo dentro de esquemas conceituais baseados no que ele denomina de “metáforas visuais”. Concomitantemente espero demonstrar também como a esperança social ocupa uma posição determinante das opções epistemológicas que o seu pragmatismo assume.
A partir do século XIX a filosofia passou a incorporar a sua agenda a reflexão acerca das melhores maneiras de promover a instauração de justiça no interior da sociedade, concomitantemente tornou-se também muito comum justificar a própria posição filosófica contextualizando-a no interior de uma narrativa do processo histórico ao qual o pensamento, a sociedade e as instituições humanas estão submetidos. Todavia, apesar de muitos filósofos recorrerem a história para justificar suas teses, e suas concepções acerca do que é justo, nem todos eles admitiam a imersão destas mesmas teses e valores no caudaloso rio do tempo onde “tudo flui”. Segundo essa forma de narrativa denominada historicista a determinação dos fatos derivada do Devir histórico não abarcaria, em alguns casos, a “interpretação” destes mesmos fatos e, em outros, a própria noção do que é interpretar, ou seja, o que aí se chama de história seria uma sucessão de acontecimentos, cuja interpretação consistira em fornecer um “reflexo acurado” dos fatos, estando por sua vez tal modo de elaborar esse retrato submetido a algo maior e invariável o bastante para que se pudesse formular leis aplicáveis a diversas interpretações.
Essa inclinação, se por um lado advogava pelo espírito democrático e não-tutelar do conhecimento, movida possivelmente pelo anseio iluminista de igualdade e justiça, por outro lado negava-se a abrir mão de uma concepção estática e talvez mesmo aristocrática do que seria conhecer. Uma forma de explicar essa tendência seria afirmar que as mudanças sociais que surgiram na esteira do Iluminismo e que possibilitaram esse tipo de “consciência histórica”, na forma de relativização de certos vocabulários, preservaram ainda um resquício de certos hábitos comunicativos caracterizados, sobretudo, pela necessidade de recorrer a oposições cruciais entre substancia e acidente, necessário e contingente e em tentar unir em uma única síntese vida pública e vida privada. Ambos os aspectos, a utilização de oposições cruciais, e a tentativa de unir o público e o privado em uma única concepção filosófica, que Richard Rorty chama de Platonista, são os alvos da sua critica do fundamentalismo filosófico. Tal critica se desenvolve como uma tentativa de emancipar a filosofia, e a cultura como um todo, dos seus resquícios essencialistas, que ele irá considerar antidemocráticos, facilitando assim a cooperação social através da elaboração de vocabulários mais inclusivos, persuasivos e possibilitando a realização do que estaria em primeiro plano para o pensamento ocidental contemporâneo: a felicidade humana.
No livro “Philosophy And Social Hope” Richard Rorty fornece uma aguçada e instigante descrição da atividade filosófica para a qual tais “paradigmas” representam um apego a hábitos comunicativos herdados de nossos antepassados, hábitos esses, ultrapassados, inúteis e mesmo perigosos para os propósitos dos participantes de uma sociedade democrática. Esses hábitos, cultivados lado a lado com as esperanças por uma sociedade mais justa e mais inclusiva impediriam a realização de tais esperanças ao situar a verdade, no sentido da correspondência entre fato e linguagem, no primeiro plano da atividade filosófica. Isso limitaria a possibilidade de realizar noções como justiça, fraternidade e igualdade através de uma participação coletiva por solicitar aos individúos a adequação à supostas realidades atingidas através do que Hilary Putnam denomina “olhar de Deus”.
Tendo, segundo o relato auto-biográfico, estado envolvido durante os primeiros anos de sua atividade intelectual com a proposta Platônica de sustentar realidade e justiça em uma única visão Rorty, chegou a conclusão de que tal tentativa é um equívoco, e podemos citar dois dos principais motivos que o mesmo pontua para essa afirmação. Em primeiro lugar por causa das peculiaridades dos jogos lingüísticos que usamos para tentar oferecer justificativas não circulares do que é verdade, e sua absoluta imersão na luta humana pelo bem estar. Tornaria-se tal tentativa autodecepcionante, por estar toda escolha de vocabulário radicada na posição pessoal acerca do que é útil. Em segundo lugar devido à própria solidariedade, da qual depende qualquer tentativa de promover a justiça social e cujo sucesso não poderia depender tentativa de ligar as idiossincrasias pessoais dos indivíduos com um compromisso público com outros indivíduos. Para Rorty as descrições do que é “bom” que se pretendem validas para todos os indivíduos representam um projeto de ver-se como uma encarnação de algo maior que o si - mesmo (Deus, a Razão, o Movimento). A verdade, como uma tentativa de demonstrar o que é bom para todas as pessoas tratar-se-ia apenas da hipérbole de uma idiossincrasia pessoal, uma tentativa de ultrapassar a própria finitude, sendo portanto, contraproducente pois o que cada um vê como a coisa mais relevante a ser feita pode ser insignificante para outra pessoas.
A superação de tais hábitos, e a busca por um discurso ou descrição apta a promover justiça social, inscrever-se-ia, portanto, como um opção significativamente razoável por viabilizar a realização de anseios comuns tanto a filósofos empenhados na busca da verdade, no sentido platônico, quanto a políticos empenhados na promoção da justiça e indiferentes aos discursos grandiloqüentes dos porta vozes do que Rorty denomina de Platonismo. Caracterizar-se-ia assim a filosofia Rortyana como uma busca de promover a realização dos ideais iluministas de fraternidade e igualdade através do rompimento com o compromisso desse mesmo iluminismo com os dualismos da filosofia clássica substituindo estes por sua vez por uma concepção não representacionista e darwiniana do conhecimento. Para essa concepção, que de saída esquiva-se a tentativa platônica de conceber questões e propor problemas que não tenham nenhuma relação com a luta pelo bem estar, a esperança social seria o principal propósito de um discurso com pretensões de consenso público, em uma sociedade como a nossa, bem entendido.
A promoção de justiça para o platonismo não prescindira de uma concepção de ser humano, como ser capaz de colocar de lado seus interesses para ter no conhecimento a partir da distinção entre aparência e realidade um fim em si mesmo. Semelhante estratégia pretenderia recusar a distinção, cara às sociedades democráticas, entre vida privada e vida pública, impondo aos indivíduos compromissos que independem de sua sanção. Richard Rorty considera infeliz para sociedades como a nossa a tentativa de promover o bem estar social a partir de tal concepção de justiça radicada em uma descrição da essência humana que tem na descoberta da verdade seu principal thelos. Considerando a especificidade do momento histórico presente, bem como as criticas elencadas por autores como Hegel, Nietczshe e Dewey à concepção iluminista de racionalidade, esta sugestão infeliz do platonismo poderia, na opinião do filósofo americano, ser adequadamente substituída pela sugestão de uma suposta capacidade humana de cooperação em circunstancias favoráveis.
Essa substituição, que abre mão de ser considerada mais “fiel” a realidade que qualquer outra, permitiria colocar a esperança no lugar do conhecimento, evocando nos indivíduos um compromisso social que não estaria ancorado em uma diluição de sua vida privada na vida publica. Produziria-se o vinculo social através da participação livre evocada pela descrição contingente da solidariedade humana. Colocando a solidariedade humana na dependência da criação das condições adequadas para sua produção e fornecendo uma descrição alternativa à “essência humana” que induz os individuos a verem-se como co-autores dessa mesma solidariedade , o discurso filosófico estimularia a cooperação para realizar essas condições e de saída já favoreceria a própria solidariedade. Ao invés de colocar a solidariedade como o resultado da conversão das índoles a “verdadeira essência humana”, o relativismo de Rorty opta por colocar a produção do vinculo social com uma tarefa do seu discurso. O relativismo, apontado pelos críticos como a principal característica do pensamento Rortyano, teria apenas um papel instrumental no interior da filosofia do mesmo, servindo de acessório ao propósito que ele considera central ao seu filosofar: a promoção do bem estar comum.
O termo, relativista, segundo Rorty, seria aplicado a todos os filósofos que não admitem a definição clássica do conhecimento como adequação às coisas como são em si mesmas, sem levar sem consideração suas relações com outras coisas, em particular, as necessidades e interesses humanos. Todavia, Rorty faz questão de apontar que, embora utilize essa concepção acerca do que é conhecer, o termo relativista não poderia ser aplicado a pragmatistas como ele próprio se denomina. Para Rorty Filósofos como ele e Dewey prefeririam denominar-se em termos negativos tais como “anti-Platonistas” ou “anti-dualistas”. O motivo de tal alegação é óbvio: o relativismo como posição epistêmica admitiria a opção por alguma espécie de platonismo “invertido”, ou operaria no interior de quadros de referência que dão sentido a perguntas como : ”o que conhecemos é produzido por nós ou descoberto pela investigação?” A atribuição de algum tipo de relevância a questionamentos desse tipo implicaria, segundo Rorty, o abandono de uma concepção Darwiniana do conhecimento. Para tal concepção o pensamento humano, ou nos termos do próprio Rorty, nosso vocabulário, é desenvolvido no confronto com o mundo, na constante luta pela sobrevivência e pela felicidade e todas as questões formuladas tem algum tipo de relação com esse propósito, e podem servi-lo bem ou mal. O conhecimento pelo conhecimento em si - mesmo, a investigação que não tem na utilidade o seu propósito, é uma demanda considerada sem sentido, um mero jogo de palavras, uma vez que se opta por uma concepção Darwiniana do conhecimento.
As oposições binárias, que caracterizaram boa parte da noção clássica ou Platonista de racionalidade deveriam ser abandonadas por aqueles que se consideram pragmatistas, segundo Rorty. Os termos do debate entre Essencialistas que consideram indispensável uma concepção clássica de racionalidade e aqueles que acreditam que o termo racionalidade pode ser substituído por um espírito de colaboração e de argumentação horizontalizada, como por exemplo os pragmatistas, não poderia ser colocado a partir do ponto de vista dos primeiros. A opção por uma posição pragmática implicaria, portanto, na adoção de um outro vocabulário, um vocabulário que visasse “a inculcação de novos jeitos de falar, ao invés de esclarecedores argumentos que utilizam velhos modos de falar”[1]. Percebe-se que a critica Rortyana do platonismo esquiva-se por sua vez a categorização de relativista, categorização essa que permitiria aos assim chamados “fundacionalistas” refutarem o argumento Rortyano em seu próprio terreno.
A tradição denominada de relativista, na qual estão inseridos os filósofos europeus pós-nietzscheanos e os filósofos americanos pós-Darwinianos, teria como semelhança de família a critica as distinções Kantianas e Hegelianas entre sujeito e objeto, as mesmas distinções que tornam possível a formulação de questões como: “O que conhecemos é feito ou encontrado?”. Todavia, apesar dessa semelhança negativa ambas as tradições diferenciam-se em um ponto crucial no que tange ao valor atribuído a universalidade e prioridade do conhecimento filosófico em relação a outros exercícios da linguagem, esse ponto seria o que Rorty denomina de naturalização do conhecimento. Esta seria a principal diferença do modo americano e pragmático de conceber o conhecimento, um ponto que traz consigo uma rejeição da divisão entre a filosofia e outras áreas da cultura. Essa divisão, calcada na tentativa iluminista de fornecer algum tipo de vocabulário privilegiado frente a outros vocabulários possíveis, é perigosa quando o que está em questão é a busca de uma concepção de justiça segundo as expectativas de uma sociedade democrática. Rorty prefere ver todas as áreas da cultura como uma teia de esforços para tornar a vida melhor, uma descrição mais útil quando a produção de bem estar social é o que está questão.
A naturalização do conhecimento permitiria o rompimento com a figura cartesiana da mente, que pretende conceber como propósito da inquirição um contato com a realidade fora de si mesma. Para o discurso pragmático as idéias (ou linguagens) são ferramentas com as quais agimos sobre o mundo e que permitem a coordenação de nossas ações com outras pessoas para um fim em comum. Para efetuar tal naturalização, portanto, o principal recurso da argumentação pragmatista seria a relatividade do valor das descrições em referência aos nossos propósitos. A gênese de tais propósitos, por sua vez, poderia ser descrita como “uma complexa teia de relações causais entre os organismos humanos e o resto do universo”[2]. Isso implicaria a substituição de relações de representação entre o homem e o mundo por relações causais entre este e aquele. Tal imersão total do modo humano de ser e fazer no interior das demais forças que dividem espaço com o homem, seria para Rorty uma descrição naturalizada da existência humana. Tal hipótese, uma vez assimilada a cultura, poderia favorecer a colaboração social por reduzir o poder persuasivo das pretensões essencialistas de posse de um ponto de vista para além do tempo, horizontalizando as posições no debate público.
O abandono de tais pretensões, todavia, longe de constituir um caminho que necessariamente convergiria para o consenso acerca do melhor meio de promover mais justiça social, é vista pelos usuários de velhos modos de falar como significativamente perigoso. O fim da demanda platônica pelo contato com a realidade externa ao indivíduo, bem como do próprio dualismo externo-interno, implicaria o abandono de uma concepção da escolha moral como de uma alternativa entre bem e mal. A conseqüência axiológica da opção por um vocabulário Darwiniano seria a concepção da escolha moral como uma escolha entre varias formas de gratificação pessoal ou coletiva.
“ A controvérsia entre fundacionalistas e anti-fundacionalistas em uma teoria do conhecimento é vista somente como um tipo de simples querela escolástica que pode ser deixada sem problemas aos professores de filosofia. Mas querelas sobre o caráter da escolha moral são vistas como mais importantes. Nós definimos nosso sentido do que nós somos através de semelhantes escolhas. então nós não queremos dizer que nossas escolas são entre bens alternativos ao invés de entre o bem e o mal”[3]28
Os críticos do suposto “relativismo” Rortyano - além de tentaram enquadrar suas idéias no quadro do antiplatonismo – O denunciam como pernicioso, pois, segundo estes, somente através da crença em uma “moral absoluta” ou em um objetivo “verdadeiro” a luta por liberdade e decência poderia tornar-se viável, pois do contrário as pessoas não se sentiriam motivadas a lutar contra o mal. Em sua replica a esse aspecto da critica as suas idéias Rorty responderá desenvolvendo uma argumentação que apontará para a contingência da relação entre os aspectos epistemológicos e axiológicos de uma dada filosofia e suas conclusões no campo das concepções políticas, ou acerca do que é melhor para a sociedade, citando os casos de Nietzsche e Dewey como exemplo. Os dois filósofos estariam de acordo acerca da “naturalização” do conhecimento e da escolha moral, mas em completo desacordo acerca de qual seria o melhor tipo de sociedade. Tal argumentação nos levaria a concluir que a opção por uma determinada descrição da realidade não garante a adesão a um determinado projeto político.
Para o pragmatismo Rortyano, a luta por justiça, moralidade e decência representa uma continuidade da luta por sobrevivência, e ao contrário de filosofias como a de Kant, a sua concepção naturalizada do ser humano pode perfeitamente abrir mão do recurso a uma faculdade chamada Razão para fundamentar a escolha moral. O destino do homem, sublinha Rorty, “não está inscrito nas estrelas” nem em uma racionalidade que lhe possa antever os caminhos a serem percorridos. O engenho humano em superar os problemas que encontra, a capacidade de cooperar sob certas circunstâncias seriam os candidatos Rortyanos a substituir o recurso a uma concepção de escolha moral baseada em princípios a-historicos. Trazendo por sua vez os críticos para seu próprio campo de batalha Rorty vai descrever a opção por tais princípios como abreviações de práticas do passado, releituras da doutrina cristão da igualdade em sua pretensão de ser mais universal que qualquer outra.
Universalidade e moral seriam sob o olhar Rortyano uma junção perigosa. A pretensão de envolver verdade e justiça em uma singular visão (pretensão essa que o próprio Rorty assume já ter possuído) poderia representar o sonho de ver as próprias idiossincrasias universalizadas e assumidas por outras pessoas. Algumas dessas Idiossincrasias poderiam ser positivas, outras inócuas, como a preferência por certas flores, mas também poderiam ser perniciosas, como certos “firmes princípios” que legitimam a homofobia e o duelo. Em um diálogo entre indivíduos com diferentes descrições do si - mesmo e diferentes concepções de justiça, para Rorty dever-se-ia recorrer apenas as vantagens de sua própria concepção do que é justo. Um diálogo que poderia ser tão infrutífero quanto aquele que recorre a “primeiros principios”(e que variam de uma teoria para outra), mas que admitiria a contingência da própria posição o que não significaria afirmar que qualquer escolha moral é tão boa quanto qualquer outra
“ Nossa visão moral, eu firmemente acredito, é muito melhor do que qualquer outra visão alternativa, entretanto existem pessoas que não seriamos capazes de convencer. Uma coisa seria dizer, que nossas escolhas não são melhores que as dos nazistas. E outra coisa dizer que nossas escolhas não são neutras, e que não existe um fundamento comum ao qual eu e um filósofo nazista possamos recorrer para falar sobre nossas diferenças”[4]

O assim chamado relativismo Rortyano teria como conseqüência política a renuncia a tentativa de recorrer a um padrão universal para determinar as bases do consenso público acerca do que é bom, e por conseguinte, a traçar o futuro humano com base em uma visão sibilina, a partir da qual o sucesso ou o insucesso da sociedade se tornasse uma questão de adequação ou não a um projeto. Em substituição a essas pretensões, cujo o poder retórico a história também tem demonstrado ser muito limitado, Rorty prefere optar pela descrição do percurso humano sobre a terra como um experimento cujo sucesso ou insucesso depende de múltiplos fatores, entre eles a capacidade de superar os próprios os problemas que vão surgindo, ou mesmo a sorte. A opção por uma filosofia atuante e deflacionada, opção de preferir inspirar uma audiência ao invés de converter os indivíduos a verdade, em oposição as pretensões de universalidade do platonismo, não tem uma solução simples. como o próprio Rorty reconhece, a opção por um dos vocabulários terá de saída um significado diferente para cada um dos partidos. Ao final, seriam os homens e mulheres do futuro que irão avaliar o resultado da aplicação de uma das duas formas de lidar com as questões que a existência nos coloca. Justiça e verdade para Richard Rorty são vistas sob a ótica da contingência. Esta como a convergência privada entre propósito e linguagem, e aquela como a convergência publica entre diversos interesses.

BibliografiaRorty, Richard Philosophy and Social Hope. Ed. Peguin Books 1 edição 1999.
[1] Rorty, Richard Philosophy and Social Hope pag.18
[2] Rorty, Richard Philosophy and Social Hope pag. 27
[3] Rorty, Richard Philosophy and Social Hope pag.28
[4] Rorty, Richard Philosophy and Social Hope pag. 15

domingo, 26 de outubro de 2008

Afeto Romântico e Afeto Reacionário

Era muito comum no século XIX que os filósofos, literatos e sociólogos se debruçassem sobre os hábitos e idiossincrasias sociais de seu tempo com o propósito (implícito ou explicito) de exercer sobre as peculiaridades do comportamento de seus contemporâneos alguma influência. O tipo de sociedade que sucedeu a do século XIX condenou ao ostracismo das tribunas das igrejas e a marginalidade dos folhetins sensacionalistas o tipo de juízo que moveu a política e a vida privada de nossos antepassados. Pessoas como Nelson Rodrigues, profundamente comprometidas com o projeto de “descaracterizar” a moralidade burguesa, ou escritores de auto-ajuda como o Roberto Shiashiki, muito mais bem sucedidos nas vendas, que reproduzem narrativas medievalescas de afetividade fundada na fidelidade, casamento, renúncia e etc. fundam-se nessa tradição demasiado recente para nós Brasileiros. Em um determinado momento senti a necessidade de escrever sobre a polaridade ambígua desses dois partidos, o dos conservadores, que procuram adaptar o ritmo frenético do nosso modo de vida as velhas e não tão bem sucedidas expectativas sobre como se deve ou não se deve amar, e o partido dos românticos que há mais de um século seguem gritando que o prazer imediato e contingente deve necessariamente submeter à estabilidade da vida familiar.
No sentido de realizar o experimento pós moderno de submeter alguns dos nossos há bitos e costumes a uma forma de atitude comunicativa semelhante a que intelectuais dos dois partidos realizaram, irei dividir essas “inquirições sobre a cultura” em dois grupos: Investigações Românticas e investigações Reacionárias. As investigações românticas partem de um pressuposto comum, que é: A singularidade, a espontaneidade das supostas “pulsões” e “instintos” são melhores que o calculo e a certeza “burguesa” e constituem, ambas, o fundamento do valor dos indivíduos. As investigações (ou melhor, dizendo, as afirmações) reacionárias por outro lado se baseiam-se no pressuposto Cristão de que o indivíduo possui uma “essência” estável a qual nós nos afeiçoamos, portanto, se ocorrem mudanças no comportamento dessas pessoas que comprometem nossos pressupostos afetivos isso constituiria conseqüentemente um dolo, não só para nós que somos “traídos” por alguém que nos mostrou uma “falsa essência”, mas principalmente para o próprio traidor que será inevitavelmente “castigado pelo futuro”.
Essas duas posições, inseridas ambas em nossa cultura e componentes presentes em qualquer diálogo sobre afeto, felicidade e relação constituem heranças e paradigmas que norteiam a forma como as pessoas se descrevem a si mesmas e aos outros indivíduos. Ambas as descrições advogam a posse da “verdade” sobre as “reais necessidades” de homens e mulheres, e são, via de regra, nexos onde a vida publica e a vida privada se encontram muito próximas. O vocabulário que utilizamos para nortear nossas ações, mantendo algum grau de coesão e eficiência, na relação com outras pessoas e o vocabulário que utilizamos para firmar nessa relação os critérios para nossa satisfação ou insatisfação estão estranhamente próximos em questões afetivas e sexuais. Kafka disse certa vez que “A mulher é a ponte para o mundo”, ignorando o conteúdo relativamente machista dessa afirmação, podemos dizer que ela reflete exatamente a compreensão Nelson Rodriaguiana do ciúme e da moralidade como meros reflexos de nosso adestramento social. O outro, segundo essas duas visões, nos conduz ao mundo social e público, a felicidade comunal (diriam os reacionários) e a suas cobranças por adequação (diriam os românticos) e sua conseqüente contradição com nossos instintos “verdadeiros”.

Como habitante de uma cidade grande da America do sul profundamente inclinado, pela minha educação catolico-cristã, a monogamia e ao mesmo tempo como intelectual que aprecia a contribuição da história e tende a achar que a fidelidade, ainda que ocorrendo em um lugar ou outro, nunca chegou a constituir a regra do comportamento sexual humano eu sugeriria que sua exigência a priori e sagrada representa uma forma inadequada de sincronizar o comportamento privado e o publico. Em contrapartida a essas duas partes de minha formação eu ofereceria uma postura não fundamentalista em relação ao afeto, como tenho sugerido em relação a outras questões. Por fidelidade eu substituiria a palavra “regularidade afetiva” e por infidelidade eu colocaria e expressão “variação de comportamento sexual”, tal substituição permitiria algum ganho no campo da liberação de “enemas” afetivos da mesma forma que a palavra “erro” representa um extraordinário ganho em relação à palavra que a antecedeu “pecado”, um ganho que aumenta incomensuravelmente quando substituímos ambas pela palavra “diferença”.
Com essas mudanças poderíamos, quiçá, eliminar tanto a intolerância romântica quanto a reacionária, assumindo em relação ao afeto uma postura democrática e falibilista que não inviabilizaria a consumação nem das relações estaveis nem dos projetos afetivos que priorizam as experiências contingentes. Se a cultura prosseguir no movimento que tem adotado nos últimos três séculos creio ser inevitável que algum arranho semelhante ao que sugeri ocorra. As pessoas tem se inclinado, em minha opinião a descreverem-se de forma cada vez menos vinculada a juízos morais religiosos e homogeneizantes e a sociedade tem prosseguido desde o século XVII afrouxando cada vez mais os laços que costumavam ligar as opções privadas e a aceitação publica. Esvaziado o conteúdo religioso das uniões sexo-afetivas o que restaria do vocabulário no interior do qual a palavra fidelidade tem algum sentido? Veríamos então os sentimentos com estados contingentes e a convivência com um (a) parceiro (a) como algo não menos contingente, resultado das diversas forças, escolhas, atividades e opiniões que compõe a individualidade de cada um e não como uma escolha refletida por um “alguém” em detrimento de outros.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Para prosseguir.(ensaio de um pragmatismo romântico)

A vida pode não ser uma perspectiva sombria. No final das contas nos pegamos vivendo um dia de cada vez e percebendo que isso é a melhor coisa que pode acontecer, embora não exclua os mais audaciosos planos e projetos. Veja bem: é só uma questão de dimensionar a referência de nossos anseios. Somos homens e caímos na vida sem saber se existe ou não algum projeto inicial, de onde viemos e para onde vamos, e talvez essa dúvida seja a parte mais importante do projeto, ou da falta de um. Somos finitos. Cada segundo de vida é um passo de dança a beira de um abismo no qual se perdem os nossos pensamentos. Mas ainda assim dançamos, pois o abismo é apenas um limite para nossa coreografia e não a determinação de como iremos dançar. É uma coisa puramente formal a morte. Sabemos que ela virá, sem sabermos nada a seu respeito exceto que é um limite. Alguém disse que a morte não afeta em nada nosso ser pois ela vem de fora, de fora das teias de relações no interior das quais existimos. Um filosófo, como eu o entendo deveria portanto, oferecer uma perspectiva existencial passivel de tornar-se util para individuos que procuram uma descrição de si mesmos, dizendo coisas como "devemos sondar nossos passos de dança na perspectiva de que morremos, sem tentar extrair certezas disso, (isso seria ignorar que além da morte existem outros limites tão intransponíveis quanto aquele.) e se formos simplesmente seguindo sem perder a consciência acerca desses limites , teremos um vida boa e digna mesmo que isso seja bem diferente para cada pessoa." Há uma certa fatalidade positiva nisso tudo, sim, porque a fatalidade pode ser boa ou ruim. Há coisas que quando aceitamos se tornam mais simples, nossos desejos tem essa natureza. Lutar contra eles é terrível, aceitá-los– o, que implica mais que satisfazê-los- nos alivia de um fardo, e libera energias para ir em frente deixando brotar novos desejos. Aceitar as condições concretas de nossa existência– por mais vago e absurdo que seja isso - tem um certo “quê” de um pragmatismo romântico, pois nos permitiria ultrapassar o que "é" aceitando-o e nos movimentando em seu interior, deixando exibir-se “o que aparece” como dizem os céticos, deflacionando o ideal e mantendo-se atento a contingência do momento. Sacudir o pó da inércia e da certeza, ir em frente assumindo risco e abandonando culpas: não seria isso já uma espécie de romantismo? Não estabelecer nenhuma meta descolada do presente, da historia da relação que se estabelece entre nossos interesses atuais e o mundo ao redor: não seria isso uma forma de pragmatismo? "Veja meu amigo, eu lhe falo como um homem que também quer continuar, e essas palavras se dirigem muito mais a mim que a você, mas também meu coração tem em ti alimento por isso me realizo duplamente ao ver nos teus olhos o meu reflexo e o mesmo anseio". Diria esse filosófo sem muita convicção. Os filósofos, penso, levam demasiado a sério os seus pensamentos, os místicos levam demasiado a sério as suas dores, e nós, que não somos nem filósofos nem místicos, oscilamos entre o medo contingente da dor e as canonizações eventuais do pensamento. Por isso, creio, não podemos nos jactar de uma superioridade em relação a aos filósofos nem aos místicos, pois assumimos ocasionalmente a mesma forma de vida deles, nos alimentando inclusive do que eles produziram, nem podemos nos sentir inferiores, pois é para nós que se dirigem seus trabalhos e é a nós que eles tentam convencer.Talvez alguns destes grandes homens estivessem certos, talvez um dia venhamos a descobrir que deveríamos ter abandonado as demandas e solicitações do mundo e nadado contra a correnteza, mas não vejo como artificialmente transmutar em fato uma hipótese, e viver por suposições e relações entre um pensamento e outro. Por isso penso que ir seguindo, desviando pedras e das dores e incrementando a obviedade da sobrevivência com alguma estética ou mesmo com alguma metafísica é uma boa sugestão para tornar a vida interessante e a filosofia muito tem a contribuir com isso.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nota sobre Max Stirner e o Anarquismo

É fato notório que a historiografia tem associado o pensamento Stineriano ao anarquismo. Deve-se isso em parte a Henry Mackay, em parte a Bakunin e a Engels que o chamou "profeta do anarquismo" e, não podemos negar, a algumas carateristicas do pensamento do próprio Stirner. Entretanto, é tambem uma caracteristica não menos relevante do pensamento Stineriano a rejeição de qualquer orientação "ideologica" para a ação dos individuos, bem como a rejeição de qualquer universalidade no que diz respeito a que atitude adotar diante da situação vigente. Para constatar essa observação basta reportar-se a diferenciação que Stirner opera entre "revolução" e rebelião". Enquanto aquela refere-se a um ato de rejeição a um estado vigente de coisas dadas, visando um outro estado mais desejavel e melhor, a rebelião refere-se a rejeição de qualquer coisa que vem ao encontro do individuo revestida do carater de "Sacralidade". Enquanto a revolução aspira a um novo estado "estavel" de coisas a rebelião rejeita qualquer estabilidade, nessecidade e "compromisso". As aspirações comunitaristas, filantropicas e (talvez) vegetarianas do anarquismo, conquanto não sejam contraditórias com a noção de rebelião, também não tem nenhuma relação de necessidade com o referido termo. São todos os ideais, aspirações e criticas "sagrados" se não tem como próposito o Gozo e a afirmação daquele que perpetra tais atitudes. Se o anarquismo não para na constatação da assimetria entre as vontades e na rejeição de qualquer constrição sacralizada, e ainda persegue um estado ideal e melhor, move-se ele no que Stirner denomina "cirulo mágico do cristianismo".

Contigência !

Dentre as perspectivas que a filosofia contemporânea nos indica, considero aquela que toma como ponto a contingência uma das mais relevantes. Anatematizada por filósofos como Platão que viam na estabilidade e na certeza o fulcro de todos os valores a contingência assumiu uma posição de nobreza na era pós nitzscheana, mas o impacto dessa mudança não chegou a libertar o nosso vocabulário dos vícios que as narrativas construídas por Platão e outros essencialistas nos legaram. Contudo, áreas de atividade como a pedagogia, por exemplo, viram-se pressionadas pelos setores mais vanguardistas da sociedade a assimilar o vocabulário anti-essencialista e adotá-lo as idiossincrasias de seus próprios propósitos. Nesse sentido, a contingência passou a dividir o reino dos céus com a essência e os “relativistas” e “socio-construtivistas” passaram a utilizar-se do vocabulário da contingência da mesma forma e com os mesmos propósitos que os essencialistas utilizavam-se do vocabulário da essência. Creio que seja bem difícil que certas funções sociais prescindam de um vocabulário sobre “como as coisas são”, por questões de vicio cultural e talvez devido a aspectos da referida função. Todavia, prefiro apostar na contingência de uma perspectiva não reflexiva como uma possibilidade de dar a essas áreas de atuação um toque de dinamismo e de deflação vantajosos para uma cultura como a nossa. Nesse sentido consideraria mais útil aplicar a palavra contingência no sentido de que “tudo que dizemos tem referência aos nossos atos” ou como Pierce “o sentido de uma frase são as ações que ela viabiliza”. Assimilada a cultura, depois de recorrentes utilizações, ninguém sabe que tipo de sociedade esse vocabulário poderia criar. Assumir esse “não saber”, para fazer os ajustes indispensáveis a posteriori é o que chamo de uma perspectiva contingencial.

Educação e o jogo.


O debate sobre a educação se insere em um debate maior que se desenvolve, me parece, no interior do iluminismo Europeu. Nossas preocupações com a educação foram herdadas da tradição liberal Európeia e como tais, trazem consigo os mesmos vicios e virtudes. Seria pedante da minha parte trazer a tona todas as minuncias desse debate cujas principais nuances podem ser dectadas em pensadores como Nietzsche, Paulo Freire, Dewey ou Mesmo Richard Rorty. Consiste a preocupação com a educação uma das facetas mais complexas da cultura liberal por dois motivos:
1- Nessa preocupação instalou-se o anseio cristão por "melhorar os Homens"
2- Na educação também reside o anseio por tornar os Homens capazes de decidir "livremente" seus destinos.
A respeito do primeiro tópico não é preciso dizer que o anseio por melhorar o mundo, conquanto antigo, já justificou coisas que não o melhoraram em absoluto (e ademais, como diria Espinoza, "O que é certo de um lado dos Pirineus é errado do outro")ou seja não possuimos fundamentos que justifiquem colocar a educação "acima"(em sentido moral) de outros procedimentos de treinamento social. Com relação ao segundo tópico, não parece contraditória a sentença "ensinar a ser livre"? uma vez que a liberdade seria algo pessoal e em primeira pessoa? ou então, a liberdade não é qualquer liberdade, e liberdade do individuo concreto, mas antes, liberdade do individuo idealizado e "purificado" das impurezas de sua alienação. A libertação das cadeias do dêmonio, diria mais sinceramente um pastor.
NA verdade os tópicos que levantei a guiza de critica a idealização da educação perpetrada pelo marxismo ( e pelo cristianimo também) não pretendem desqualificar a educação, mas apenas inseri-la entre as outras atividades humanas, para caracteriza-la, finalmente, como um campo de indeterminação e incerteza na qual todas as possibilidades e ferramentas de uma cultura poderiam ser jogadas, mas, como em todo jogo, sem supor qualquer necessidade nos resultados dessa aposta.