A ênfase que os movimentos sociais brasileiros, inclusive o movimento negro, vem colocando na questão das identidades me parece inteiramente desacertada. Não creio que a defesa e a militância pró-identitária tenha produzido qualquer impacto relevante sobre a conjuntura política e cultural do brasil. A tentativa de produzir uma cultura onde todas as identidades sejam igualmente reverenciadas midiaticamente, ou uma cultura onde não exista qualquer resquício de uma determinada hegemonia, me parece um sonho utópico que se tornou consenso entre os militantes brasileiros encantados com trabalhos como o de Foucault. Mais acertadamente o movimento negro norte americano tem desenvolvido sua luta no sentido da inclusão econômica e intelectual do negro na sociedade, o que permitiu em um curto espaço de tempo um recuo considerável nas práticas racistas daquele pais. Em minha opinião, embora considere imensamente desejável uma cultura na qual todas as identidades sintam-se confortavelmente contempladas, não acredito que o esforço de grupos pró-identitários tenha qualquer relação com a erradicação do posturas preconceituosas como o racismo. O que deseja-se, eu creio, quando milita-se pelo fim do preconceito é que não exista mais nos espaços públicos práticas que submetam determinados indivíduos a situações vexatórias, humilhantes ou excludentes. Isso para mim tem muito pouco, ou nada, a ver com a difusão de uma dada consciência do que é ser membro de um grupo, povo ou étnia. Assim como não acho que a luta feminista tenha qualquer relação com uma propaganda acerca das “raízes” da feminilidade, ou que a luta contra a homofobia tenha qualquer relação com a elucidação das supostas “causas da homossexualidade”, não creio que a luta pró-identidade racial tenha qualquer relevância para o empoderamento dos negros. Para ampliar nosso sentido do que é "ser um brasileiro" ou do que é ser " um ser humano interessante, digno e capaz" precisamos apenas de uma massiva criminalização do preconceito acompanhada de produções artísticas que mostrem como todos nós somos parecidos, como partilhamos de sentimentos e qualidades em comum. Do ponto de vista da aquisição de poder penso que nossos objetivos seriam alcançados mais rapidamente se tornássemos os jovens negros cada vez mais cientes de que o único caminho para obter respeito social é a aquisição de, status através dos canais que a sociedade disponibiliza, e lutar vigorosamente para que esses canais se multipliquem cada vez mais através de ações afirmativas que estejam diretamente relacionadas a formação acadêmica, profissional e intelectual. Uma cultura coerente com essa busca pelo empoderamento negro, por sua vez, seria uma cultura que incentivaria a rejeição da romantização da pobreza (algo que, ademais, todo marxismo que assimilamos há tantas décadas ainda não conseguiu fazer)bem como da romantização do transgressor, da malandragem e da falta de responsabilidade para com o futuro dos filhos que um dia nossos filhos terão. Enquanto a luta por melhores condições sociais para as minorias não vier acompanhada de propagandas, discursos, produções artísticas e toda sorte de recursos culturais voltados para a produção de uma consciência prática acerca do tipo de destino que cada grupo deseja construir para si, de forma não-mítica, iremos patinar no gelo da autocomtemplação estética enquanto o futuro escorre por entre nosso dedos.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Identidade e política nas ações afirmativas.
A ênfase que os movimentos sociais brasileiros, inclusive o movimento negro, vem colocando na questão das identidades me parece inteiramente desacertada. Não creio que a defesa e a militância pró-identitária tenha produzido qualquer impacto relevante sobre a conjuntura política e cultural do brasil. A tentativa de produzir uma cultura onde todas as identidades sejam igualmente reverenciadas midiaticamente, ou uma cultura onde não exista qualquer resquício de uma determinada hegemonia, me parece um sonho utópico que se tornou consenso entre os militantes brasileiros encantados com trabalhos como o de Foucault. Mais acertadamente o movimento negro norte americano tem desenvolvido sua luta no sentido da inclusão econômica e intelectual do negro na sociedade, o que permitiu em um curto espaço de tempo um recuo considerável nas práticas racistas daquele pais. Em minha opinião, embora considere imensamente desejável uma cultura na qual todas as identidades sintam-se confortavelmente contempladas, não acredito que o esforço de grupos pró-identitários tenha qualquer relação com a erradicação do posturas preconceituosas como o racismo. O que deseja-se, eu creio, quando milita-se pelo fim do preconceito é que não exista mais nos espaços públicos práticas que submetam determinados indivíduos a situações vexatórias, humilhantes ou excludentes. Isso para mim tem muito pouco, ou nada, a ver com a difusão de uma dada consciência do que é ser membro de um grupo, povo ou étnia. Assim como não acho que a luta feminista tenha qualquer relação com uma propaganda acerca das “raízes” da feminilidade, ou que a luta contra a homofobia tenha qualquer relação com a elucidação das supostas “causas da homossexualidade”, não creio que a luta pró-identidade racial tenha qualquer relevância para o empoderamento dos negros. Para ampliar nosso sentido do que é "ser um brasileiro" ou do que é ser " um ser humano interessante, digno e capaz" precisamos apenas de uma massiva criminalização do preconceito acompanhada de produções artísticas que mostrem como todos nós somos parecidos, como partilhamos de sentimentos e qualidades em comum. Do ponto de vista da aquisição de poder penso que nossos objetivos seriam alcançados mais rapidamente se tornássemos os jovens negros cada vez mais cientes de que o único caminho para obter respeito social é a aquisição de, status através dos canais que a sociedade disponibiliza, e lutar vigorosamente para que esses canais se multipliquem cada vez mais através de ações afirmativas que estejam diretamente relacionadas a formação acadêmica, profissional e intelectual. Uma cultura coerente com essa busca pelo empoderamento negro, por sua vez, seria uma cultura que incentivaria a rejeição da romantização da pobreza (algo que, ademais, todo marxismo que assimilamos há tantas décadas ainda não conseguiu fazer)bem como da romantização do transgressor, da malandragem e da falta de responsabilidade para com o futuro dos filhos que um dia nossos filhos terão. Enquanto a luta por melhores condições sociais para as minorias não vier acompanhada de propagandas, discursos, produções artísticas e toda sorte de recursos culturais voltados para a produção de uma consciência prática acerca do tipo de destino que cada grupo deseja construir para si, de forma não-mítica, iremos patinar no gelo da autocomtemplação estética enquanto o futuro escorre por entre nosso dedos.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Perspectivas sobre o carnaval
Eram quatro dias de folga, e não poderia deixar de gostar disso. Tempo para ler, escrever e beber sem me importar com o dia seguinte. Todavia, nas eventuais tentativas de ligar a televisão ou ir a rua comprar qualquer gênero de 1° necessidade não podia deixar de constatar algumas coisas desagradáveis que aconteciam lá fora, era carnaval. É possível que quem vem de outro país, ou pertence as castas abastadas tenha outra percepção dessa data. No lugar de onde venho, carnaval é sinônimo de sexo, façanhas combativas em bando e trabalho. Já carreguei blocos de gelo para comerciantes de cerveja nessa data. Já fui cordeiro em blocos com o antigo tropicália. Já fantasiei a possibilidade de trepar com garotas que nunca dariam para mim nos dias ordinários do ano, já apanhei de valentões em bando enquanto fazia as três coisas. Não creio que a percepção do carnaval para a maioria das pessoas da periferia de Salvador se afaste muito de alguma dessas possibilidades. Alegria é uma palavra muito ampla e nela muita coisa cabe. O cheiro da urina nas ruas também é um aspecto particularmente insólito nessa festa. O medo que espreita cada momento de exarcebação festiva também é. Camarotes bem situados e equipados, ou blocos bem estruturados com seguranças oriundos, em sua maioria, dessas mesmas favelas também possibilitam vivenciar esse dia com outra percepção. A mesma coisa se dá com o repertório musical no qual se embalam estas pessoas. Para eles pode ser novidade, ou uma escolha feita para uma certa data apenas. Como não tive acesso a tal experiência privilegiada devo, por uma questão de honestidade para comigo mesmo, ater-me a minha experiência e ela me dá um relato pouco lisonjeiro dessa ocasião. A música irritante do carnaval é a trilha sonora das ruas da periferia. Quem não gosta dessa trilha sonora tem pouca alternativa além de suportar calado. Carnaval, na minha ótica construída com os relatos dos jovens da periferia me parece uma festa que oferece várias oportunidades extravasamento da frustração acumulada no decorrer do ano. Um relato muito freudiano, diriam alguns, muito niilista europeu, diriam outros. Pode ser. Mas me parece a única forma de descrever a atitude de um sujeito que na terça feira de carnaval grita para os amigos “hoje eu vou quebrar a cabeça dos parmalate”. Um sujeito que, diga-se de passagem, não é criminoso, não tem passagem na policia e trabalha honestamente com uma banca de caldo de cana o ano todo. Podemos abstrair casos como esse os considerando “exceções”. Acho até mais útil que se faça isso. Essas observações não tentam refutar a festividade, nem poderiam. São apenas considerações de quem não aprecia o carnaval, e gostaria imensamente de não ter que optar entre ficar ilhado na própria casa ou enfrentar monumentais engarrafamentos, filas e dispêndio de dinheiro (quando já se tem tão pouco) apenas por que um infeliz acidente histórico tornou o país onde nasci a pátria que deveria servir de ponte entre uma história de pretensão cerebralistica e uma tradição que indica a diluição na massa como a forma de redenção das marcas particulares.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Big Brother, transferência e valores
Do ponto de vista da fruição pessoal o Big Brother vale tanto quanto uma partida de futebol ou um espetáculo de música clássica. Do ponto de vista da nossa cultura, dos aspectos políticos da arte, contudo, é um desserviço. Reforça preconceitos nocivos as nossas instituições, consolida valores medievais e retrógrados e, de quebra, transforma garotas inexpressivas e superficiais em atrizes de 1° escalão. Contudo, sabemos que essas observações têm pouco valor para quem assiste o Big Brother, em um país que possui tantos feriados e tanto analfabetismo refletir sobre as consequências políticas da arte é, devo admitir, uma mera excentricidade de filósofos.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Universidade e pagode: Um caso de amor bandido?
Certo dia quando eu estava a caminho do trabalho, com o olhar passeando nas belas paisagens que se desenhavam contra a janela do ônibus, uma certa mensagem em um outdoor me chamou a atenção. Tratava-se do anúncio de uma das inúmeras festas universitárias que são organizadas em Salvador, principalmente no verão. Todavia, o que me chamou a atenção não foi exatamente o evento em si mesmo (quem não se acostumou a ver grandes shows regados a cerveja sendo oferecidos as dezenas nos outdoors de nossa cidade?) o que provocou essa reflexão que agora divido com vocês foram as bandas que iriam animar o evento. É claro, para um transeunte qualquer também não haveria novidade alguma no nome destas bandas: Psirico, Parangolé e outros de que já não me lembro o nome. Grupos que encontram-se na crista da onda cultural de Salvador e que emergiram das periferias pobres de nossa cidade. Comecei a questionar o seguinte: porque os organizadores de uma festa que reúne universitários (em sua grande maioria estudantes de Direito, Medicina e enfermagem) advindos de segmentos da sociedade bem diversos daqueles dos quais emergiram os estilos musicais em questão optaram por estas bandas? Nos lugares de onde bandas como o Psirico saíram a grande maioria das pessoas não possui formação acadêmica, algumas nunca possuirão, e algumas outras nem mesmo aspiram tal formação. É lógico que não podemos deixar de levar em consideração os fatores históricos e econômicos que determinaram estes fatos. Todavia é também um fato que pode ser constatado por qualquer pessoa que passe algumas semanas em uma sala de aula do subúrbio que a pobreza em nosso pais quase sempre vem associada a uma profunda aversão pela leitura, a sofisticação e ao esforço crítico. “Por causa da pobreza” Diriam alguns, e teriam uma certa razão, mas bastaria uma breve comparação com outros países mais pobres que o Brasil para perceber que a pobreza nem sempre implica a rejeição da leitura e da crítica. O motivo de frases como “quem estuda demais fica maluco.” Ainda fazer sentido para uma grande fatia de nossa população está muito mais nas nossas matrizes culturais, jesuítas e anti-iluministas, que na nossa economia estricto-senso. Frases como essa, diga-se de passagem, fazem sentido também para muitos dos estudantes de nossas classes abastadas, que procuram estudar apenas o necessário para diplomar-se e assegurar o próprio lugar na hierarquia social (daí o sucesso de vendedores de trabalhos acadêmicos). A grande democracia cultural de nossas festas apenas reproduz uma convergência de aspirações. Livre do esforço angustiante dos estudos acadêmicos, da tortura de ter que se submeterem a leituras, debates e seminários, de ter que simular o senso crítico com o fito de diplomarem-se, nossos estudantes procuram para sua diversão e regojizo algo que não lembre em nada a sofisticada cultura acadêmica; Nada prestasse mais a esse papel que a música de nossas periferias, onde a sofisticação é vista como uma marca da pretensão, da boçalidade e, como um caso limite, da loucura. A única diferença, um tanto cruel, é que essa rejeição da cultura acadêmica por aqueles que bem ou mal estão na academia não implica para estes o risco social, a ocupação de postos sub-remunerados de trabalho nem a incapacidade de participar da construção do próprio destino com o mínimo de recursos, como ocorre com os moradores de periferias.
Universidade e pagode: Um caso de amor bandido?
Certo dia quando eu estava a caminho do trabalho, com o olhar passeando nas belas paisagens que se desenhavam contra a janela do ônibus, uma certa mensagem em um outdoor me chamou a atenção. Tratava-se do anúncio de uma das inúmeras festas universitárias que são organizadas em Salvador, principalmente no verão. Todavia, o que me chamou a atenção não foi exatamente o evento em si mesmo (quem não se acostumou a ver grandes shows regados a cerveja sendo oferecidos as dezenas nos outdoors de nossa cidade?) o que provocou essa reflexão que agora divido com vocês foram as bandas que iriam animar o evento. É claro, para um transeunte qualquer também não haveria novidade alguma no nome destas bandas: Psirico, Parangolé e outros de que já não me lembro o nome. Grupos que encontram-se na crista da onda cultural de Salvador e que emergiram das periferias pobres de nossa cidade. Comecei a questionar o seguinte: porque os organizadores de uma festa que reúne universitários (em sua grande maioria estudantes de Direito, Medicina e enfermagem) advindos de segmentos da sociedade bem diversos daqueles dos quais emergiram os estilos musicais em questão optaram por estas bandas? Nos lugares de onde bandas como o Psirico saíram a grande maioria das pessoas não possui formação acadêmica, algumas nunca possuirão, e algumas outras nem mesmo aspiram tal formação. É lógico que não podemos deixar de levar em consideração os fatores históricos e econômicos que determinaram estes fatos. Todavia é também um fato que pode ser constatado por qualquer pessoa que passe algumas semanas em uma sala de aula do subúrbio que a pobreza em nosso pais quase sempre vem associada a uma profunda aversão pela leitura, a sofisticação e ao esforço crítico. “Por causa da pobreza” Diriam alguns, e teriam uma certa razão, mas bastaria uma breve comparação com outros países mais pobres que o Brasil para perceber que a pobreza nem sempre implica a rejeição da leitura e da crítica. O motivo de frases como “quem estuda demais fica maluco.” Ainda fazer sentido para uma grande fatia de nossa população está muito mais nas nossas matrizes culturais, jesuítas e anti-iluministas, que na nossa economia estricto-senso. Frases como essa, diga-se de passagem, fazem sentido também para muitos dos estudantes de nossas classes abastadas, que procuram estudar apenas o necessário para diplomar-se e assegurar o próprio lugar na hierarquia social (daí o sucesso de vendedores de trabalhos acadêmicos). A grande democracia cultural de nossas festas apenas reproduz uma convergência de aspirações. Livre do esforço angustiante dos estudos acadêmicos, da tortura de ter que se submeterem a leituras, debates e seminários, de ter que simular o senso crítico com o fito de diplomarem-se, nossos estudantes procuram para sua diversão e regojizo algo que não lembre em nada a sofisticada cultura acadêmica; Nada prestasse mais a esse papel que a música de nossas periferias, onde a sofisticação é vista como uma marca da pretensão, da boçalidade e, como um caso limite, da loucura. A única diferença, um tanto cruel, é que essa rejeição da cultura acadêmica por aqueles que bem ou mal estão na academia não implica para estes o risco social, a ocupação de postos sub-remunerados de trabalho nem a incapacidade de participar da construção do próprio destino com o mínimo de recursos, como ocorre com os moradores de periferias.