Eram quatro dias de folga, e não poderia deixar de gostar disso. Tempo para ler, escrever e beber sem me importar com o dia seguinte. Todavia, nas eventuais tentativas de ligar a televisão ou ir a rua comprar qualquer gênero de 1° necessidade não podia deixar de constatar algumas coisas desagradáveis que aconteciam lá fora, era carnaval. É possível que quem vem de outro país, ou pertence as castas abastadas tenha outra percepção dessa data. No lugar de onde venho, carnaval é sinônimo de sexo, façanhas combativas em bando e trabalho. Já carreguei blocos de gelo para comerciantes de cerveja nessa data. Já fui cordeiro em blocos com o antigo tropicália. Já fantasiei a possibilidade de trepar com garotas que nunca dariam para mim nos dias ordinários do ano, já apanhei de valentões em bando enquanto fazia as três coisas. Não creio que a percepção do carnaval para a maioria das pessoas da periferia de Salvador se afaste muito de alguma dessas possibilidades. Alegria é uma palavra muito ampla e nela muita coisa cabe. O cheiro da urina nas ruas também é um aspecto particularmente insólito nessa festa. O medo que espreita cada momento de exarcebação festiva também é. Camarotes bem situados e equipados, ou blocos bem estruturados com seguranças oriundos, em sua maioria, dessas mesmas favelas também possibilitam vivenciar esse dia com outra percepção. A mesma coisa se dá com o repertório musical no qual se embalam estas pessoas. Para eles pode ser novidade, ou uma escolha feita para uma certa data apenas. Como não tive acesso a tal experiência privilegiada devo, por uma questão de honestidade para comigo mesmo, ater-me a minha experiência e ela me dá um relato pouco lisonjeiro dessa ocasião. A música irritante do carnaval é a trilha sonora das ruas da periferia. Quem não gosta dessa trilha sonora tem pouca alternativa além de suportar calado. Carnaval, na minha ótica construída com os relatos dos jovens da periferia me parece uma festa que oferece várias oportunidades extravasamento da frustração acumulada no decorrer do ano. Um relato muito freudiano, diriam alguns, muito niilista europeu, diriam outros. Pode ser. Mas me parece a única forma de descrever a atitude de um sujeito que na terça feira de carnaval grita para os amigos “hoje eu vou quebrar a cabeça dos parmalate”. Um sujeito que, diga-se de passagem, não é criminoso, não tem passagem na policia e trabalha honestamente com uma banca de caldo de cana o ano todo. Podemos abstrair casos como esse os considerando “exceções”. Acho até mais útil que se faça isso. Essas observações não tentam refutar a festividade, nem poderiam. São apenas considerações de quem não aprecia o carnaval, e gostaria imensamente de não ter que optar entre ficar ilhado na própria casa ou enfrentar monumentais engarrafamentos, filas e dispêndio de dinheiro (quando já se tem tão pouco) apenas por que um infeliz acidente histórico tornou o país onde nasci a pátria que deveria servir de ponte entre uma história de pretensão cerebralistica e uma tradição que indica a diluição na massa como a forma de redenção das marcas particulares.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
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