terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Relativismo cristão de Geanne Vátimo

O mercado de ideias não para de demandar novas produções. Os antigos artefatos vão se tornando obsoletos abrindo espaço para a necessidade de novas versões de velhas promessas. Os filhos são educados por pais cujos valores encontram-se defasados em pelo menos duas décadas em relação ao mundo no qual seus filhos irão crescer. O desconforto diante dessa perspectiva é visível no esforço de pensadores sérios e capazes como Gianne Váttimo em oferecer uma tradução mais sofisticada de palavras que caíram em desuso. Para muitos autores a mudança no valor atribuído a palavras como Deus, Salvação e Verdade levaria a humanidade a um estágio terminal de degradação, mas o professor Vátimo tenta nos dizer que não é assim. "O sujeito pós-moderno está debilitado porque não pode mais apoiar-se num valor absoluto." Esse seria apenas mais um diagnóstico nitzscheano se Váttimo não acrescentasse: "Mas, aqui, debilidade significa redução da violência e das pretensões de valor definitivo." O relativismo, para o filósofo, conduziria a tolerância e a caridade pois para ele "O sujeito debilitado é somente aquele mais tolerante, aberto aos outros." Ora, em primeiro lugar, quero observar que o relativismo não existe, senão na linguagem dos filósofos, tanto quanto a própria metafísica. A maior parte da história da humanidade foi escrita com sangue derramado em disputas entre nações que se auto-denominavam as escolhidas por suas respectivas divindades. A historia do cristianismo caracterizou-se pela tentativa em abarcar todas essas pretensões no interior da sua, usando a lógica e a metafísica por um lado e a inquisição e os exércitos por outro. O sonho de um valor abrangente e universal desde sempre só existiu nas palavras dos pensadores e quando saiu daí, só o fez através da violência, nisso Váttimo tem razão. Mas, para além das disputas de academia e das encíclicas do Papa, é possível afirmar que somos mais relativistas hoje que há 500 anos? Antes de responder a essa pergunta talvez seja necessário dizer primeiro quem são o "nós" de que falamos aqui. Para Váttimo, o nós de que se trata aqui é composto pelos cidadãos europeus cujos avós não podem conter uma expressão indignada diante do capitalismo selvagem e da pouca vergonha hedonista que preenche os programas de televisão. Mais eu quero aplicar a palavra nós em um sentido mais amplo, um sentido que inclua os Aymorés, Tupinambás e Bantos que foram escravizados torturados e mortos pelos "nós" do qual fala Váttimo. Se pensarmos nos termos desse meu "nós" não imagino como podemos continuar aceitando a tese de que somos mais relativistas hoje do que a 500 anos. Se naquela época já existia um relativismo instaurado entre portuguêses e indios e esse relativismo não permitiu nenhuma convivência baseada na caridade, não entendo porque o professor Vátimo espera que hoje em dia façamos diferente. Mesmo o tipo de consciência relativistica caracterísitica de alguns professores de filosofia vêm acompanhada de outros acessórios que são mais importantes que essa consciência. O mêdo de perder o emprego, o desejo de obter a aprovação, a necessidade de reviver momentos mágicos de aclamação do público e etc são exemplos de fatores que servem para comtrapor-se ao tipo de neutralidade que o nilismo de Váttimo preconiza. Dizer que esses fatores seriam menos decisivos para a deliberação ética é dizer que uma razão filosófica é mais forte que uma paixão, algo que considero dificil de levar a sério. Ademais, creio que os departamentos de filosofia espalhados pelo mundo e repletos de consciência relativistica poderiam servir de exemplos empíricos do que quero dizer.
Citações de Vátimo extraidas da entrevista disponível no site abaixo.

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3701&secao=354

domingo, 12 de dezembro de 2010

RETÓRICA E REALISMO NA RELAÇÃO ENTRE O CAPITAL DE MARX E O ÚNICO E SUA PROPRIEDADE DE MAX STIRNER

Ocupando a maior parte das páginas de A Ideologia Alemã a crítica de Karl Marx ao Único e sua Propriedade de Max Stirner parece ignorar de forma sistemática o que se poderia chamar de o caráter retórico e existencial dessa obra. Contudo, apesar do descuido destes aspectos, autores como Nicholas Lobkowicz (Lobkowicz, 1969, p. 5) apontam que tal debate teria sido crucial para o amadurecimento do pensamento de Karl Marx, maturidade essa que trouxe a lume obras como O Capital. Visando dar um passo adiante acerca da relação entre as idéias destes dois importantissimos autores o presente artigo pretende opor algumas concepções de Karl Marx no livro I de O Capital à crítica de Max Stirner. Essa crítica, por sua vez, terá na reificação da linguagem e do pensamento seu alvo principal. No decorrer do artigo também desenvolvemos alguns desdobramentos dos pressupostos correspondentistas que perpassam O Capital bem como o uso retórico que Stirner faz da linguagem. Ao final irei discorrer acerca da possível relação entre ambas as posturas e as diferentes concepções de sociedade que delas decorre.
Acesse o artigo completo aqui:

http://www.ufpel.tche.br/isp/searafilosofica/

sábado, 16 de outubro de 2010

"Quando a religião interfere na política o resultadó é fanatismo"

A autoria da frase que dá nome a esse ensaio é de uma pessoa a qual não cabe comentários. Todos nós sabemos quem é José Sarney. Contudo, como diria Aldous Huxley, os homens tolos as vezes dizem coisas muito sábias. Realmente é lamentável que o debate político do segundo turno da campanha presidencial brasileira tenha recaído em questões religiosas. Todavia, já que aconteceu não custa nada tentar tirar algum proveito desse acidente de percurso, que aliás não é acidente algum. O Brasil é um pais cuja cultura é indigesta e inadequada para o estabelecimento das instituições que viabilizam o sucesso do projeto iniciado no Século XVII na Europa. Quanto mais religião, principalmente de matriz católica-fatalista, menos respeito pela individualidade e pelo interesse das minorias. Quando em um pais uma cultura religiosa é alimentada pelo analfabetismo e pela desigualdade social no decorrer dos séculos a probabilidade desse pais se tornar liberal e politizado é muito pequena. É nesse espaço mínimo que nós, os intelectuais liberais de esquerda, nos movimentamos. Na maior parte das vezes é preciso aceitar o debate nos termos mais rasteiros que ele nos é colocado, pois do contrário já entraríamos nele vestindo o capuz dos condenados a forca; se isso acontece existe uma grande probalidade de que apenas os beneficiários do atual sistema de coisas sucederiam-se no poder.
Veja a candidatura de Marina. Que equívoco! Nossos bem intencionados colegas da esquerda mais radical empenharam-se na tentativa de eleger uma candidata que se eleita não governaria, por completa falta estrutura política para isso, e se governasse, teria que fazer concessões que o PT nem sonharia em fazer. Por outro lado o que se conseguiu com tal candidatura? O fortalecimento da candidatura de Serra!!! Seria cômico de não fosse trágico. Agora, depois de conquistar os votos daqueles que com Marina acreditaram que Dilma não é tão de esquerda assim, Serra voa como um vampiro sobre os votos daqueles, que a figura dos devotos de Antonio Conselheiro, vêem no debate político a chance de fazer a sua parte no plano de DEUS.
Marina, a santa prometida que nos fez esquecer qual era mesmo o problema aqui na terra. ABORTO, MENTIROSA...palavras invocadas como estigmas para identificar quem está do lado do Diabo e quem está do lado de Deus. Quando vamos compreender que política, moral e religião são questões que se tocam mais que não podem ser assimiladas umas as outras? Talvez apenas quando nos tornarmos todos ateus.

Notas sobre a crênça no progresso

Cientificidade é um dos nomes da virtude procurada por aqueles que consideram-se membros do movimento de transformação cultural que começou na Europa do século XVII. Excetuando alguns poucos insurgentes, tão insubmissos a essa deusa chamada ciência quanto sedentos da mesma legitimidade que ela reclamava, todos os nomes relevantes de nossa historia recente são filhos desse movimento. As mudanças de direção para o desenvolvimento das civilizações tiveram a partir desse movimento um ganho de natureza quantitativa em termos de variedade; no entanto, quanto a natureza qualitativa desse movimento é difícil chegar com a mesma facilidade a tal conclusão. Poderíamos, para fins de articulação discursiva, separar os intelectuais entre aqueles que não piscam ao afirmar que existe alguma coisa chamada "evolução", e que essa coisa aconteceu de forma inequívoca do iluminismo para cá, e aqueles que não acreditam em semelhante coisa chamada evolução ou acreditam mas acham que a sociedade não realizou nada de significativo nesse campo. No segundo time teríamos pessoas como Tomás de Aquino, Lutero, o grande exército dos céticos metafisicamente motivados e dos místicos. Vemos que não há muitas diferenças de inclinação entre os descrentes do progresso. No outro time, entretanto, teríamos uma variedade muito maior, pois o que está em jogo nele são diversas concepções do que é evolução e do que devemos entender quando dizemos que "sabemos disso". Só a colocação desse embate serve para nos favorecer mais um elemento para a compreensão de nosso tempo: a alegria em ser o que é. Enquanto aqueles que aferram-se a modos de pensar anti-históricos e pouco dialógicos são unânimes em questionar a ideia de progresso, nós outros, marcados pelo signo da necessidade de furtar-se a tais modos de falar somos unânimes quando se trata de crênça progresso. Já se propôs a divisão dos que apostam no progresso entre aqueles que olham para o futuro a para a invenção e aqueles que pensam no passado e se questionam se não deixamos algo perder-se no meio do caminho. Não considero tal divisão justa. Muitos dentre os mais originais de nossos pensadores oscilaram entre os dois pólos. Talvez essa oscilação seja tão maior quanto mais honesto e íntegro for o pensador. Se em nossa vida nunca temos a certeza definitiva sobre o carácter das nossas escolhas, como fazer tal coisa quando o que está em jogo é a avaliação do passado da humanidade e a prospecção do seu futuro?

domingo, 26 de setembro de 2010

Bandeiras e argumentos.

No nosso cotidiano nos utilizamos diversas palavras, encaixadas em muitos enunciados e contextos práticos diferentes. Algumas destas palavras, contudo, desempenham na vida das pessoas um papel muito importante é impossível negar. Deus, fidelidade, certeza, verdade, justiça são algumas delas, mas a lista completa é infinitamente maior. Ao utilizarmos estas palavras como modelos de autoridade ética talvez imaginemos que estamos fazendo algo intrissecamente legitimo e sério, algo bem melhor que a utilização dessas mesmas palavras no interior de piadas ou trocadilhos casuais. Contudo, toda nossa linguagem, parece-me, desenvolveu-se conjuntamente com todos os traços que compõem os ser humano e com a própria idéia de que existe algo que pode ser chamado assim. Portanto, se a tentativa de buscar o prazer e evitar a dor moveu esse desenvolvimento não sei como podemos atribuir algumas das palavras que compõem essa mesma linguagem tal seriedade; exceto quando o que está em questão é a possibilidade de algum prazer advindo desse tratamento. Embora essa reflexão seja algo característicamente filosófico, é também algo que toca diretamente os hábitos mais prosaicos da menos filosóficas das pessoas. Não consigo, mesmo com a maior boa vontade, compreender o que queremos dizer com "leis naturais", "essência da bondade humana", "regularidades intrissecas a atuação do indivíduo sobre o mundo" quando essas frases querem ser algo mais que a tentativa de reproduzir certos hábitos que foram, para quem os mantêm, proveitosos.
As imensas querelas que trespassam todas as culturas poderiam ser resumidas nisso: tentativas de superação Lingüística e cultural que transferem a guerra do âmbito do combate físico para o do combate discursivo. É claro que nossos combates não se dão apenas nessas duas frentes, muitas outras formas de assimilação do outro a nós mesmos também constituem-se como exemplares alternativos desse combate generalizado, embora nem sempre cruel.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A política em Rorty e o Romance em Kundera – Filosofia narrativa e Romance existencial

Desenvolvo neste artigo alguns aspectos do caráter próprio e eminentemente político da filosofia rortyana, apontando como uma das características centrais dessa mesma filosofia a primazia de questões políticas bem como a descrição que ela oferece da atividade literária. Essa descrição, que coloca a atividade literária a serviço da auto-criação, pretende lançar as bases para uma concepção da relação entre os indivíduos e o mundo que desaguaria, por um lado, em um realismo prático e mínimo, e, por outro, em uma concepção não logocêntrica e plástica do eu. A tais aspectos da filosofia de Rorty, soma-se a proposta de instrumentalizar a atividade literária, as construções imagéticas que ela desenvolve, visando colocá-la a serviço de determinadas metas cruciais para o sucesso de uma sociedade democrática e liberal. Uma dessas metas encontrar-se-ia na superação de uma concepção essencializada e condensada do ser humano, e na criação de um ambiente cultural no qual a possibilidade de criação de vínculos éticos não esteja ancorada na veneração a critérios supra-históricos e verticalizados. No escopo deste texto pretendo comparar a descrição oferecida por Rorty da atividade literária, com aquela oferecida por Milan Kundera no texto A Arte do Romance.
Baixe o texto completo aqui:

segunda-feira, 8 de março de 2010

Pragmatismo e Ensino de Filosofia - Artigo Publicado na revista Índice

Desenvolver um discurso coerente acerca do papel da filosofia no que toca a sua relação com a educação não é uma tarefa simples. Devido a posição estratégica da educação em sua dupla função de oferecer tanto possibilidades de auto-criação individual, quanto discursos voltados para a produção do vínculo ético público, essa atividade encontra-se no centro de fervorosos debates. Tais debates recrudescem ainda mais quando a filosofia é convocada à deles participar no sentido de situar suas peculiaridades em relação a ambas as demandas. O problema, poder-se-ia dizer, é que o assim chamado “senso comum”, até onde tem assimilado alguns aspectos do iluminismo, tende a conceber a atividade pedagógica como um campo de ação, no qual, nossas possibilidades de controle sobre os fatores determinantes do sucesso pessoal ou social são melhorcontempladas.
Todavia, não existe um consenso na comunidade filosófica acerca do papel da filosofia em relação a essas questões. Não penso que exista uma resposta que possa satisfazer todas as correntes pedagógicas e todos os partidos filosóficos acerca da conexão entre a filosofia e a educação dos jovens no ensino fundamental e médio. No entanto, tampouco creio que um profissional de qualquer das duas áreas deixe de ter algo a dizer acerca dessa conexão. A partir de alguns aspectos do pensamento filosófico de orientação pragmática e neo-pragmática representados neste artigo, respectivamente, pelos autores Wiliam James e Richard Rortyt tentarei derivar algumas posições destes filósofos em tópicos como epistemologia e política para a polêmica acerca da capacitação de professores para o planejamento da docência no ensino médio.

Confira aqui o texto integral




sábado, 20 de fevereiro de 2010

Identidade e política nas ações afirmativas.

Mais uma vez, reforçando minha própria imprudência, vou colocar o dedo em mais uma temerosa ferida da consciência política brasileira. Venho conversando com amigos e parentes há algum tempo acerca da relação entre a nossa cultura e as práticas sociais e políticas nas quais ela interfere. Muito do que tenho escrito refere-se a essa relação. Não acho desejável uma interferência direta em alguns aspectos culturais, por saber que tal interferência poderia promover a crueldade em relação a alguns grupos humanos que tem suas respectivas culturas em alta conta. Todavia, como escritor e intelectual, fortemente influenciado pelo pragmatismo e pelo existencialismo europeu, não vejo como esquivar-me a tarefa de propor o debate acerca de certas formas de lidar como o mundo que nos são apresentadas por nossas expressões artísticas, familiares e religiosas. Vou citar um exemplo. Imaginem que por algum tipo de experimento cientifico, parecido com aqueles que costumamos ver nos longas metragens produzidos por Hollywood, um negro norte americano da década de 60 vem parar em uma favela do Brasil, na época, digamos de Cartola. Digamos que esse negro, que seria um militante da causa negra norte americana, um “Black Panther", ouve Cartola sentado com Carlos Cachaça e outros Sambistas no morro da mangueira tocando algo como "Alvorada". Quem já ouviu a letra desse famoso samba sabe que ele, de certa forma, oferece um retrato bem romântico da vida no morro. Algo parecido vem sendo feito por determinados movimentos artísticos que procuram resgatar a “identidade” das comunidades negras espalhadas pelo Brasil. O que diria esse ativista a Cartola acerca da relação entre esse Samba e as péssimas condições sócio econômicas dos negros das favelas? Creio que nada de muito elogioso.
A ênfase que os movimentos sociais brasileiros, inclusive o movimento negro, vem colocando na questão das identidades me parece inteiramente desacertada. Não creio que a defesa e a militância pró-identitária tenha produzido qualquer impacto relevante sobre a conjuntura política e cultural do brasil. A tentativa de produzir uma cultura onde todas as identidades sejam igualmente reverenciadas midiaticamente, ou uma cultura onde não exista qualquer resquício de uma determinada hegemonia, me parece um sonho utópico que se tornou consenso entre os militantes brasileiros encantados com trabalhos como o de Foucault. Mais acertadamente o movimento negro norte americano tem desenvolvido sua luta no sentido da inclusão econômica e intelectual do negro na sociedade, o que permitiu em um curto espaço de tempo um recuo considerável nas práticas racistas daquele pais. Em minha opinião, embora considere imensamente desejável uma cultura na qual todas as identidades sintam-se confortavelmente contempladas, não acredito que o esforço de grupos pró-identitários tenha qualquer relação com a erradicação do posturas preconceituosas como o racismo. O que deseja-se, eu creio, quando milita-se pelo fim do preconceito é que não exista mais nos espaços públicos práticas que submetam determinados indivíduos a situações vexatórias, humilhantes ou excludentes. Isso para mim tem muito pouco, ou nada, a ver com a difusão de uma dada consciência do que é ser membro de um grupo, povo ou étnia. Assim como não acho que a luta feminista tenha qualquer relação com uma propaganda acerca das “raízes” da feminilidade, ou que a luta contra a homofobia tenha qualquer relação com a elucidação das supostas “causas da homossexualidade”, não creio que a luta pró-identidade racial tenha qualquer relevância para o empoderamento dos negros. Para ampliar nosso sentido do que é "ser um brasileiro" ou do que é ser " um ser humano interessante, digno e capaz" precisamos apenas de uma massiva criminalização do preconceito acompanhada de produções artísticas que mostrem como todos nós somos parecidos, como partilhamos de sentimentos e qualidades em comum. Do ponto de vista da aquisição de poder penso que nossos objetivos seriam alcançados mais rapidamente se tornássemos os jovens negros cada vez mais cientes de que o único caminho para obter respeito social é a aquisição de, status através dos canais que a sociedade disponibiliza, e lutar vigorosamente para que esses canais se multipliquem cada vez mais através de ações afirmativas que estejam diretamente relacionadas a formação acadêmica, profissional e intelectual. Uma cultura coerente com essa busca pelo empoderamento negro, por sua vez, seria uma cultura que incentivaria a rejeição da romantização da pobreza (algo que, ademais, todo marxismo que assimilamos há tantas décadas ainda não conseguiu fazer)bem como da romantização do transgressor, da malandragem e da falta de responsabilidade para com o futuro dos filhos que um dia nossos filhos terão. Enquanto a luta por melhores condições sociais para as minorias não vier acompanhada de propagandas, discursos, produções artísticas e toda sorte de recursos culturais voltados para a produção de uma consciência prática acerca do tipo de destino que cada grupo deseja construir para si, de forma não-mítica, iremos patinar no gelo da autocomtemplação estética enquanto o futuro escorre por entre nosso dedos.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Perspectivas sobre o carnaval

Eram quatro dias de folga, e não poderia deixar de gostar disso. Tempo para ler, escrever e beber sem me importar com o dia seguinte. Todavia, nas eventuais tentativas de ligar a televisão ou ir a rua comprar qualquer gênero de 1° necessidade não podia deixar de constatar algumas coisas desagradáveis que aconteciam lá fora, era carnaval. É possível que quem vem de outro país, ou pertence as castas abastadas tenha outra percepção dessa data. No lugar de onde venho, carnaval é sinônimo de sexo, façanhas combativas em bando e trabalho. Já carreguei blocos de gelo para comerciantes de cerveja nessa data. Já fui cordeiro em blocos com o antigo tropicália. Já fantasiei a possibilidade de trepar com garotas que nunca dariam para mim nos dias ordinários do ano, já apanhei de valentões em bando enquanto fazia as três coisas. Não creio que a percepção do carnaval para a maioria das pessoas da periferia de Salvador se afaste muito de alguma dessas possibilidades. Alegria é uma palavra muito ampla e nela muita coisa cabe. O cheiro da urina nas ruas também é um aspecto particularmente insólito nessa festa. O medo que espreita cada momento de exarcebação festiva também é. Camarotes bem situados e equipados, ou blocos bem estruturados com seguranças oriundos, em sua maioria, dessas mesmas favelas também possibilitam vivenciar esse dia com outra percepção. A mesma coisa se dá com o repertório musical no qual se embalam estas pessoas. Para eles pode ser novidade, ou uma escolha feita para uma certa data apenas. Como não tive acesso a tal experiência privilegiada devo, por uma questão de honestidade para comigo mesmo, ater-me a minha experiência e ela me dá um relato pouco lisonjeiro dessa ocasião. A música irritante do carnaval é a trilha sonora das ruas da periferia. Quem não gosta dessa trilha sonora tem pouca alternativa além de suportar calado. Carnaval, na minha ótica construída com os relatos dos jovens da periferia me parece uma festa que oferece várias oportunidades extravasamento da frustração acumulada no decorrer do ano. Um relato muito freudiano, diriam alguns, muito niilista europeu, diriam outros. Pode ser. Mas me parece a única forma de descrever a atitude de um sujeito que na terça feira de carnaval grita para os amigos “hoje eu vou quebrar a cabeça dos parmalate”. Um sujeito que, diga-se de passagem, não é criminoso, não tem passagem na policia e trabalha honestamente com uma banca de caldo de cana o ano todo. Podemos abstrair casos como esse os considerando “exceções”. Acho até mais útil que se faça isso. Essas observações não tentam refutar a festividade, nem poderiam. São apenas considerações de quem não aprecia o carnaval, e gostaria imensamente de não ter que optar entre ficar ilhado na própria casa ou enfrentar monumentais engarrafamentos, filas e dispêndio de dinheiro (quando já se tem tão pouco) apenas por que um infeliz acidente histórico tornou o país onde nasci a pátria que deveria servir de ponte entre uma história de pretensão cerebralistica e uma tradição que indica a diluição na massa como a forma de redenção das marcas particulares.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Big Brother, transferência e valores

A mídia sustenta-se das preferências do público para o qual ela volta as suas produções, essa é metade da verdade. A outra metade é que a mídia, através de certas estratégias produz certas preferências, aproveitando-se de algumas outras tantas preferências mais antigas deste mesmo público. O resultado deste movimento é o que chamamos de cultura midiática: o movimento de Sístole e Diástole entre criação artística e satisfação de preferências. Quando um programa nos formatos do Big Brother da rede globo faz sucesso, por exemplo, podemos imaginar que existe por detrás deste sucesso uma estratégia bem sucedida de produção, marketing e criação e por outro a escolha acertada de um produto que se encaixa perfeitamente em determinadas inclinações das pessoas. Irei me concentrar sobre este segundo ponto. O que as pessoas gostam de ver no Big Brother? Mulheres Nuas? Homens atléticos simulando virtudes que as pessoas gostam de imaginar que também possuem, como camaradagem, fidelidade e etc? Intrigas? Pessoas que encarnam os comportamentos que desprezamos (práticas que aprendemos a odiar através de nossa educação ou por causa de certos traumas de nosso passado)? Ou tudo isso?
Não é de hoje que nós, indivíduos das cidades grandes, nos deleitamos com a representação de vidas alheias. Desde o romance novelistico de revistas como Julia ou Bianca, até a hipnose em massa das telenovelas é fácil constatar nosso fascínio pela vida alheia. Os motivos são vários, mais todos tem um propósito comum: reforçar os valores que defendemos e amaldiçoar os comportamentos que desprezamos, mandando-os para o famoso paredão. Esse valores e comportamentos, na maioria dos casos, não escapam a medianidade e mediocridade das avaliações de quem estabelece o próprio valor através da comparação com outras pessoas. Quem não considera a comparação com outras pessoas uma boa ferramenta para estabelecer o próprio valor irá ver com certo desdém tanto a telenovela quanto o Big Brother. Esse ultimo todavia traz consigo um elemento que apimenta um pouco mais as comparações: quem desempenha certos comportamentos ali não é um personagem de ficção, é uma pessoa real. Imagine o gozo moral de um homofóbico ao ver outra pessoa ser na Televisão a pessoa preconceituosa que ele gosta de ser. Ou, por outro lado, imagine a matrona, que gastou toda sua juventude, se sacrificou em nome de ideais como fidelidade, família, moral ao mandar para o paredão uma garota sarada que trai o namorado, que está fora da “casa”, diante das câmeras; um orgasmo de vingança. A lista das possibilidades é infinita, chama-se a isso transferência. Confirmo o que sou me identificando com alguém melhor sucedido que eu e que se parece comigo, ou condenado quem representa o que eu desprezo.
Do ponto de vista da fruição pessoal o Big Brother vale tanto quanto uma partida de futebol ou um espetáculo de música clássica. Do ponto de vista da nossa cultura, dos aspectos políticos da arte, contudo, é um desserviço. Reforça preconceitos nocivos as nossas instituições, consolida valores medievais e retrógrados e, de quebra, transforma garotas inexpressivas e superficiais em atrizes de 1° escalão. Contudo, sabemos que essas observações têm pouco valor para quem assiste o Big Brother, em um país que possui tantos feriados e tanto analfabetismo refletir sobre as consequências políticas da arte é, devo admitir, uma mera excentricidade de filósofos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Universidade e pagode: Um caso de amor bandido?

Certo dia quando eu estava a caminho do trabalho, com o olhar passeando nas belas paisagens que se desenhavam contra a janela do ônibus, uma certa mensagem em um outdoor me chamou a atenção. Tratava-se do anúncio de uma das inúmeras festas universitárias que são organizadas em Salvador, principalmente no verão. Todavia, o que me chamou a atenção não foi exatamente o evento em si mesmo (quem não se acostumou a ver grandes shows regados a cerveja sendo oferecidos as dezenas nos outdoors de nossa cidade?) o que provocou essa reflexão que agora divido com vocês foram as bandas que iriam animar o evento. É claro, para um transeunte qualquer também não haveria novidade alguma no nome destas bandas: Psirico, Parangolé e outros de que já não me lembro o nome. Grupos que encontram-se na crista da onda cultural de Salvador e que emergiram das periferias pobres de nossa cidade. Comecei a questionar o seguinte: porque os organizadores de uma festa que reúne universitários (em sua grande maioria estudantes de Direito, Medicina e enfermagem) advindos de segmentos da sociedade bem diversos daqueles dos quais emergiram os estilos musicais em questão optaram por estas bandas? Nos lugares de onde bandas como o Psirico saíram a grande maioria das pessoas não possui formação acadêmica, algumas nunca possuirão, e algumas outras nem mesmo aspiram tal formação. É lógico que não podemos deixar de levar em consideração os fatores históricos e econômicos que determinaram estes fatos. Todavia é também um fato que pode ser constatado por qualquer pessoa que passe algumas semanas em uma sala de aula do subúrbio que a pobreza em nosso pais quase sempre vem associada a uma profunda aversão pela leitura, a sofisticação e ao esforço crítico. “Por causa da pobreza” Diriam alguns, e teriam uma certa razão, mas bastaria uma breve comparação com outros países mais pobres que o Brasil para perceber que a pobreza nem sempre implica a rejeição da leitura e da crítica. O motivo de frases como “quem estuda demais fica maluco.” Ainda fazer sentido para uma grande fatia de nossa população está muito mais nas nossas matrizes culturais, jesuítas e anti-iluministas, que na nossa economia estricto-senso. Frases como essa, diga-se de passagem, fazem sentido também para muitos dos estudantes de nossas classes abastadas, que procuram estudar apenas o necessário para diplomar-se e assegurar o próprio lugar na hierarquia social (daí o sucesso de vendedores de trabalhos acadêmicos). A grande democracia cultural de nossas festas apenas reproduz uma convergência de aspirações. Livre do esforço angustiante dos estudos acadêmicos, da tortura de ter que se submeterem a leituras, debates e seminários, de ter que simular o senso crítico com o fito de diplomarem-se, nossos estudantes procuram para sua diversão e regojizo algo que não lembre em nada a sofisticada cultura acadêmica; Nada prestasse mais a esse papel que a música de nossas periferias, onde a sofisticação é vista como uma marca da pretensão, da boçalidade e, como um caso limite, da loucura. A única diferença, um tanto cruel, é que essa rejeição da cultura acadêmica por aqueles que bem ou mal estão na academia não implica para estes o risco social, a ocupação de postos sub-remunerados de trabalho nem a incapacidade de participar da construção do próprio destino com o mínimo de recursos, como ocorre com os moradores de periferias.

Universidade e pagode: Um caso de amor bandido?

Certo dia quando eu estava a caminho do trabalho, com o olhar passeando nas belas paisagens que se desenhavam contra a janela do ônibus, uma certa mensagem em um outdoor me chamou a atenção. Tratava-se do anúncio de uma das inúmeras festas universitárias que são organizadas em Salvador, principalmente no verão. Todavia, o que me chamou a atenção não foi exatamente o evento em si mesmo (quem não se acostumou a ver grandes shows regados a cerveja sendo oferecidos as dezenas nos outdoors de nossa cidade?) o que provocou essa reflexão que agora divido com vocês foram as bandas que iriam animar o evento. É claro, para um transeunte qualquer também não haveria novidade alguma no nome destas bandas: Psirico, Parangolé e outros de que já não me lembro o nome. Grupos que encontram-se na crista da onda cultural de Salvador e que emergiram das periferias pobres de nossa cidade. Comecei a questionar o seguinte: porque os organizadores de uma festa que reúne universitários (em sua grande maioria estudantes de Direito, Medicina e enfermagem) advindos de segmentos da sociedade bem diversos daqueles dos quais emergiram os estilos musicais em questão optaram por estas bandas? Nos lugares de onde bandas como o Psirico saíram a grande maioria das pessoas não possui formação acadêmica, algumas nunca possuirão, e algumas outras nem mesmo aspiram tal formação. É lógico que não podemos deixar de levar em consideração os fatores históricos e econômicos que determinaram estes fatos. Todavia é também um fato que pode ser constatado por qualquer pessoa que passe algumas semanas em uma sala de aula do subúrbio que a pobreza em nosso pais quase sempre vem associada a uma profunda aversão pela leitura, a sofisticação e ao esforço crítico. “Por causa da pobreza” Diriam alguns, e teriam uma certa razão, mas bastaria uma breve comparação com outros países mais pobres que o Brasil para perceber que a pobreza nem sempre implica a rejeição da leitura e da crítica. O motivo de frases como “quem estuda demais fica maluco.” Ainda fazer sentido para uma grande fatia de nossa população está muito mais nas nossas matrizes culturais, jesuítas e anti-iluministas, que na nossa economia estricto-senso. Frases como essa, diga-se de passagem, fazem sentido também para muitos dos estudantes de nossas classes abastadas, que procuram estudar apenas o necessário para diplomar-se e assegurar o próprio lugar na hierarquia social (daí o sucesso de vendedores de trabalhos acadêmicos). A grande democracia cultural de nossas festas apenas reproduz uma convergência de aspirações. Livre do esforço angustiante dos estudos acadêmicos, da tortura de ter que se submeterem a leituras, debates e seminários, de ter que simular o senso crítico com o fito de diplomarem-se, nossos estudantes procuram para sua diversão e regojizo algo que não lembre em nada a sofisticada cultura acadêmica; Nada prestasse mais a esse papel que a música de nossas periferias, onde a sofisticação é vista como uma marca da pretensão, da boçalidade e, como um caso limite, da loucura. A única diferença, um tanto cruel, é que essa rejeição da cultura acadêmica por aqueles que bem ou mal estão na academia não implica para estes o risco social, a ocupação de postos sub-remunerados de trabalho nem a incapacidade de participar da construção do próprio destino com o mínimo de recursos, como ocorre com os moradores de periferias.